O Banco do Brasil atravessa uma crise de identidade que ameaça destruir décadas de parceria com o setor que sustenta a balança comercial do país. A instituição que nasceu para financiar o desenvolvimento nacional e que consolidou o agronegócio como pilar da economia brasileira parece ter virado as costas para seus principais clientes, adotando práticas que beiram a hostilidade institucional contra o produtor rural.
As mudanças recentes na política de crédito do banco não representam apenas um ajuste operacional — são um ataque sistemático à viabilidade econômica do campo. Declarações públicas infelizes de dirigentes da instituição[3] revelam um desprezo mal disfarçado pelo setor produtivo, tratando agricultores e pecuaristas como adversários a serem controlados, não como parceiros estratégicos a serem fortalecidos.
A imposição de exigências absurdas como a oferta de imóveis rurais em alienação fiduciária[4] expõe a desconexão total entre a alta administração do banco e a realidade do campo. Trata-se de uma garantia que pode inviabilizar operações tradicionais e comprometer o patrimônio de gerações de famílias rurais, transformando o financiamento agrícola numa armadilha jurídica.
Igualmente grave é a prática de juros que ultrapassam os limites legais estabelecidos para o crédito rural, violando não apenas a legislação específica do setor, mas traindo o próprio propósito de uma instituição financeira pública. O produtor rural, que já enfrenta os riscos climáticos, de mercado e sanitários inerentes à atividade, vê-se agora refém de taxas abusivas que corroem qualquer margem de rentabilidade[5].
A desarticulação dos engenheiros agrônomos credenciados do sistema ASTEC, profissionais que historicamente fazem a ponte técnica entre o banco e o produtor, demonstra o desmantelamento deliberado de uma estrutura que funcionava. Esses técnicos conhecem a realidade do campo, avaliam projetos com competência e asseguram a qualidade das operações de crédito. Sua marginalização só pode ser interpretada como desprezo pelo conhecimento técnico especializado[6].
A criação de listas negras de produtores e seguradoras — verdadeiros instrumentos de perseguição setorial[7] — completa o quadro de uma instituição que perdeu sua vocação original. O Banco do Brasil transformou-se de agente financiador em agente de pressão e restrição, exercendo um papel oposto àquele para o qual foi criado.
O cinismo atinge seu ápice quando a mesma instituição que sufoca o produtor brasileiro anuncia acordos bilionários com a China Development Bank[8] para financiar setores estratégicos, incluindo o agronegócio.
A pergunta que não quer calar é: o Banco do Brasil está de fato interessado em fortalecer a agricultura nacional ou em abrir caminho para a dependência externa de capital e tecnologia?
A equação é simples e brutal: enfraquecer o agro é enfraquecer o Brasil. O agronegócio representa mais de um quarto do PIB nacional, emprega milhões de brasileiros e garante os superávits comerciais que sustentam a economia do país. Quando o Banco do Brasil ataca esse setor, ataca a própria base de sustentação econômica da nação.
O agronegócio brasileiro merece respeito, não hostilidade. E o Banco do Brasil precisa urgentemente reencontrar suas raízes, antes que seja tarde demais.
[3] Agosto de 2025 – Dirigente da instituição: afirmou que o banco passaria a “executar todos os contratos inadimplentes”, rompendo com a tradição de parceria com produtores rurais. Declarou que o banco iria “monitorar e acionar advogados” que orientam produtores a pedir recuperação judicial
Esta fala gerou notificação extrajudicial da OAB, que considerou tentativa de “criminalizar a advocacia”. Dirigentes de (Gestão de Riscos): Declarou que produtores em recuperação judicial serão banidos permanentemente do crédito: “Eles não terão crédito hoje, amanhã, nem nunca mais” (Direito Rural) Afirmou que “a recuperação judicial é uma armadilha para o produtor — ele perde acesso ao crédito e não consegue plantar a próxima safra” (JuriNews).
[4] Agora, dificilmente um produtor consegue novo crédito ou prorrogação sem oferecer imóvel rural em alienação fiduciária — a forma mais severa de garantia, pois transfere ao banco a propriedade resolúvel do bem (Direito Rural). A alienação fiduciária não permite múltiplos graus de garantia, engessando o produtor. Produtores arrendatários estão sendo excluídos por não possuírem imóvel próprio.
[5] Apesar do entendimento pacífico do STJ de que os juros do crédito rural não podem ultrapassar 12% ao ano, o Banco do Brasil tem praticado taxas de 15%, 18% e até 23% ao ano em novas operações e renegociações (Direito Rural).
[6] O banco estaria desabilitando projetistas que elaboraram planos de custeio de produtores hoje inadimplentes, transferindo, de forma indevida, a responsabilidade da inadimplência (Direito Rural).
[7] Indícios de criação de lista negra de produtores que recorreram à recuperação judicial, o que seria passível de investigação pela SUSEP, BACEN e Ministério Público.
[8] O Banco do Brasil e o Banco de Desenvolvimento da China assinaram um termo de compromisso de US$ 1 bilhão para ampliar financiamentos a empresas brasileiras e chinesas (Agência Brasil), com prazo de até cinco anos, que permitirá ao Banco do Brasil expandir as operações de financiamento nas áreas de infraestrutura, agronegócio, exportação e importação (Agência Brasil.)
Charlene de Ávila – Advogada. Mestre em Direito. Consultora Jurídica em propriedade intelectual na agricultura de Neri Perin Advogados Associados – Brasília-DF
Neri Perin – Advogado Agrarista especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela UFP. Diretor Administrativo da Neri Perin Advogados Associados – Brasília- DF.




