Minuta de texto ainda não oficial de decreto sobre mercado de carbono no Brasil engloba nove setores, como mineração e agricultura, mas não cita florestas
O mercado de carbono no Brasil, um debate iniciado há 13 anos, será criado por decreto. A iniciativa terá um sistema nacional de registro da redução de emissões, será setorial e trará conceitos novos como créditos de metano. O anúncio foi feito ontem pelo ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite, em evento no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, promovido pelo Banco do Brasil e Petrobras, com apoio do Banco Central e do MMA.
Leite disse que o decreto tinha previsão de publicação durante o dia de ontem, o que não ocorreu até o fechamento desta edição. Nas últimas semanas algumas minutas circularam nos grupos que discutem o tema.
A minuta de decreto que circulava ontem no evento que reuniu também o ministro da Economia, Paulo Guedes, e outros dirigentes do governo Bolsonaro, cita nove setores que seriam contemplados pelo mercado – geração e distribuição de energia elétrica; transporte público urbano e sistemas de transportes interestaduais de carga e de passageiros; indústria de transformação e a de bens de consumo duráveis; químicas finas e de base; papel e celulose; mineração; construção civil; serviços de saúde e agropecuária. Não há menção a florestas.
O texto diz que haverá metas, mensuráveis e verificáveis para a redução de emissões e o estabelecimento de um Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa, o Sinare.
“Em um sistema único de registro você terá a oportunidade de registrar o carbono da vegetação nativa, assim como o carbono no solo. No processo produtivo brasileiro se fixa carbono no solo”, disse Leite. O agrado aos produtores rurais seguiu: “Há 280 milhões de hectares de vegetação nativa em propriedades rurais”.
“Nasce hoje o mercado de carbono nacional. Mas sua maturidade virá com a aprovação do projeto de lei amplamente debatido com a sociedade no Congresso Nacional e com o apoio do governo federal”, disse Leite, que organizou o evento.
Há alguns meses tramita no Congresso o Projeto de Lei que foi proposto originalmente pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM) e foi discutido com setores produtivos como o Cebds, a entidade que engloba grandes corporações. O PL foi modificado nas comissões. Havia pressão para que fosse aprovado na época da conferência do clima da ONU em Glasgow, em novembro.
Há algumas semanas começaram a circular versões de minuta do decreto do Executivo. Para evitar questionamentos jurídicos, o texto que circula nos grupos e deve ser assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e está ancorado na Política Nacional sobre Mudança do Clima, de 2009.
O texto ao que o Valor teve acesso e ainda não é oficial diz que crédito de carbono é “ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente”. Inclui, portanto, a agenda da restauração florestal que ganhou musculatura recentemente.
O crédito de metano, citado por Leite, é definido nas mesmas bases mas como redução ou remoção de uma tonelada de metano, “que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou regulado”.
O texto também cita a criação da Unidade de Estoque de Carbono (UEC) e que se refere à “manutenção ou estocagem de uma tonelada de CO2 equivalente.
A minuta de texto diz que os planos setoriais de mitigação devem ser feitos por “entes integrantes dos setores”, o MMA e o Ministério da Economia. Devem ter, no mínimo, uma linha de base, metas, regras para monitoramento e cronograma de implementação de forma segmentada e gradual. As propostas deverão ser submetidas ao MMA no prazo de 120 dias da publicação do decreto, diz o texto não oficial que circula nos grupos interessados e conhecedores do tema.
“O Brasil será o maior fornecedor mundial de créditos”, declarou Leite. Ele disse que o custo da redução de emissões em países industrializados “é maior do que aqui e em alguns casos chega a ser dez vezes mais”.
Disse que o Brasil tem vocação para geração de créditos de alta qualidade. “Estamos desenvolvendo uma rígida taxonomia”, adiantou, com “integridade ambiental e adicionalidade climática, de comunidades e biodiversidade”.
Leite não citou nenhuma vez a palavra desmatamento em sua fala inicial. Em abril, o desmatamento na Amazônia atingiu novo recorde, com mais de mil km2 de florestas perdidas. Preferiu citar potenciais energéticos no mar, como eólicas offshore e hidrogênio verde, que são do âmbito de outra pasta, da Energia. “Seremos um país exportador de energias renováveis”, disse. Por enquanto, o Brasil é o maior desmatador de florestas tropicais do mundo.
O texto não-oficial diz que a compensação de emissões com ajustes correspondentes (da meta climática nacional) ocorrerá mediante autorização específica de uma “Autoridade Competente”.