Por 43 votos a 21, senadores dão aval a texto com orientação contrária ao julgamento da Corte; Pacheco nega ‘revanchismo’
Por 43 votos a 21, o Senado aprovou, nesta quarta-feira (27), o texto-base do projeto de lei do marco temporal para demarcação de terras indígenas. A matéria também flexibiliza o contato com povos isolados e permite a plantação de transgênicos nas reservas. A análise célere da proposta foi uma reação ao Supremo Tribunal Federal (STF), que na semana passada afirmou que a tese do marco temporal é inconstitucional.
O plenário do Senado rejeitou todos os destaques (sugestões de alterações) feitas por governistas ao projeto. O texto, que manteve integralmente a versão aprovada pela Câmara dos Deputados, vai à sanção presidencial.
Antes do término da sessão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que não há “revanchismo” da Casa em relação ao STF.
“Buscamos a pacificação e a reunificação em prol do que precisamos para o país que é o desenvolvimento e o respeito a todos os segmentos e setores. Tenho visto notícias como se [a votação] fosse algo de enfrentamento ao STF. Quero afirmar aqui, com a mais absoluta sinceridade, que absolutamente de nossa parte não há nenhum tipo de sentimento revanchista em relação à Suprema Corte”, afirmou.
Pacheco alegou que a votação do marco temporal ocorreu porque os parlamentares “não podem se omitir da missão de legislar”. Ele disse, ainda, que sabe os limites em relação ao Executivo e ao Judiciário e que “espera que os outros Poderes também saibam”. “Estamos apenas cumprindo o nosso dever através do voto da maioria.”
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), antecipou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tende a vetar trechos da matéria considerados estranhos ao texto. O relator do projeto, Marcos Rogério (PL-RO) , disse que a bancada ruralista vai aceitar alguns desses vetos presidenciais — que depois voltam a ser deliberados pelo Legislativo.
“A escolha política que este relator fez foi manter o texto como está. Mas, esses pontos que podem ter uma visão mais sensível para o governo podem ser objeto de veto. Da nossa parte, o importante é que seja preservado o núcleo central do projeto”, disse Marcos Rogério.
Ele citou como exemplo do que poderia ser vetado com apoio da bancada ruralista, o ingresso em áreas protegidas sem necessidade de prévia autorização.
“Tranquilizo que existem pontos que estamos discutindo e que é possível, pelo controle de veto, resolvermos as preocupações que o outro campo político tem. Podemos construir um entendimento político pela manutenção do veto”, reforçou o relator.
A base do governo Lula se dividiu na deliberação. O PSD e o PSB liberaram a bancada, o PDT não orientou, enquanto União Brasil, PP e Republicanos votaram a favor. Já MDB e PT votaram contra.
Um dos destaques apresentados, e que acabou rejeitado, visava retirar o trecho do projeto que permite que uma reserva indígena já demarcada seja retomada pela União. A sugestão foi apresentada pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que alegou que os critérios são subjetivos e geram insegurança para os povos originários.
A matéria prevê que a União pode retomar as áreas indígenas “em razão da alteração dos traços culturais da comunidade indígena ou de outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo”.
Ainda durante a análise da matéria, Pacheco afirmou que o PL foi tratado com urgência em razão da “celeuma” criada pela decisão do STF. Logo no início da sessão desta quarta, Pacheco pôs em deliberação o requerimento da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para que o texto entrasse na pauta de votações em caráter de urgência. O pedido foi aprovado por 41 votos a 20.
De acordo com aliados, o presidente do Senado considera que caberia ao governo tentar frear o avanço da matéria nas comissões. Como isso não ocorreu, ele não quer arcar sozinho com o ônus de impedir a matéria de ser apreciada no plenário com celeridade.
Questionado por jornalistas se a posição do Senado contraria a decisão do Supremo, Pacheco respondeu que “o projeto de lei está tramitando no Legislativo e é natural que o Congresso possa decidir a esse respeito”.
“Isso pode, inclusive, subsidiar o Supremo Tribunal Federal em relação a esse tema. É muito natural, não há nenhum tipo de adversidade ou de enfrentamento com o STF, é apenas uma posição do congresso considerando que nós reputamos que temas dessa natureza devem ser deliberados pelo Congresso Nacional”, pontuou.
Pacheco disse que o compromisso firmado com todos os senadores foi que o projeto do marco temporal passaria por comissões antes de ser levado ao plenário, o que já ocorreu. “Está sendo cumprido o rito natural e normal”, alegou.
Por Julia Lindner, Valor – 27/09/2023