Produto brasileiro tende a ser muito mais sustentável que europeu, avalia Daniel Vargas, especialista da FGV
Um economista sênior de uma organização internacional em Genebra, trabalhando num projeto sobre comércio e agricultura, fez uma simulação sobre o que aconteceria se houvesse uma taxa de carbono na fronteira de US$ 100 por tonelada globalmente. Usando dados da FAO, a Agência da ONU para Agricultura e Alimentação, concluiu que o comércio agrícola brasileiro seria o mais afetado entre os principais produtores mundiais. Não haverá tão cedo uma taxa carbono global, e ainda mais de US$ 100. Mas a simulação ilustra desafios para o agronegócio à medida que a agenda de sustentabilidade ganha mais força.
Conforme a FAO, entre os dez principais países por volume de produção agrícola em 2021, a China tem as maiores emissões de gases de efeito estufa na agricultura, seguida por Índia, EUA e Brasil. Mas, quando se comparam as emissões expressas em valor de produção, o Brasil de fato piora. Fica em segundo lugar em intensidade de emissões, só superado pela Indonésia. Isso ocorre desde que as emissões de mudança no uso da terra são adicionadas às emissões da agricultura (somente “farm gate”, “da porteira para dentro”), ou seja, por causa do desmatamento, como explica o especialista Francesco Tubiello, da FAO.
O Brasil tem um desempenho pior, mas apenas entre os principais produtores. Sua intensidade de emissões é muito melhor do que a dos países com pior desempenho, nota Tubiello. Estes, em 2021, tiveram intensidade de emissões com valores de 20 a 100 kg CO2/dólar.
Os dados mostram que o desmatamento no país está diminuindo significativamente em comparação com o passado. Entre 2000-2010, a degradação foi muito forte, e a intensidade de emissões, incluindo o efeito do uso da terra, foi de 12 a 14 quilogramas de equivalente total de CO2 por ano por dólar. Entre 2010-2020 declinou para algo entre 4 e 6 kg/dólar. Essa melhoria veio de dois componentes: um é a eficiência econômica e o outro é um impulso no combate ao desmatamento.
No entanto, nota Tubiello, o ganho na intensidade de emissões de gases de efeito estufa obtido é cada vez menor somente com a melhoria da produção agrícola. Parece que o Brasil, assim como muitos outros países, atingiu um patamar. Uma redução maior de emissões no agro exigirá ainda mais queda no desmatamento. Para Tubiello, a imposição de uma taxa sobre os alimentos pode ter incentivos práticos para diminuir mais o desmatamento no Brasil.
No começo deste mês, a União Europeia (UE) colocou em vigor a maior taxa de carbono na fronteira no mundo, a chamada CBAM ou Mecanismo de Ajuste Carbono nas Fronteiras. Por ela, vai impor taxa em importações de vários produtos industriais originárias de países que não tomam medidas rigorosas para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.
O setor agrícola está fora do CBAM, mas talvez não por muito tempo. A Comissão Europeia fez recentemente consulta pública sobre precificação de carbono de produtos agrícolas. No Parlamento Europeu, incluir o setor é visto como reforço na luta contra desmatamento e degradação florestal em todo o mundo. Há uma movimentação para primeiro medir e depois precificar as emissões do agro.
De fato, o mundo corre com políticas de precificação de carbono. O movimento está mais avançado no setor de energia que no setor de transportes, e mais avançado no setor de transportes que no setor de produção de alimentos. Nos próximos anos, deve acelerar na agropecuária, constata Daniel Vargas, coordenador do Observatório de Bioeconomia da FGV e Professor da FGV EESP. A questão central para o Brasil não é negar ou resistir à onda global. É abraçá-la, nos termos brasileiros, diz.
Ele aponta problemas em estudos padronizados que tendem a colocar no mesmo barco agricultura moderna e desmatador criminoso. Erram ao não diferenciar as atividades. E acabam rotulando, injustamente, toda a atividade de produção de alimentos como algo ruim ou indesejável para o clima e o planeta. Outra falha seria não computar os sequestros de emissões da produção no campo – é capaz com a área florestal de fornecer poços de carbono naturais, ou seja, emissões negativas. Não se trata de um detalhe. Ao longo dos anos, o aprimoramento do processo produtivo na agricultura, com técnicas e tecnologias sustentáveis, integração de sistemas, criação de reservas e áreas de preservação tem sido cada vez mais importante. Nada disso costuma entrar na conta de estudos globais.
Para Vargas, o país está bem posicionado para ser liderança global na produção de alimento de qualidade, energia barata e serviços ambientais. Mas nada virá de mão beijada nem cairá do céu. Exigirá do país um esforço de apostar, cada vez mais, na inovação tecnológica e aprimoramento de técnicas produtivas sustentáveis. Na hora que o produto nacional bater à porta do mercado europeu, deverá ser capaz de comprovar, cientificamente, sua pegada de carbono. Em sua avaliação, o produto brasileiro tende a ser muito mais sustentável que o europeu.
FONTE: https://valor.globo.com/brasil/coluna/taxa-de-carbono-no-agro-e-so-questao-de-tempo.ghtml