Ampliar a oferta beneficiaria o país, afirma consultor Ivan Wedekin
A conjuntura mundial de risco de insegurança alimentar e de alta de preços das commodities, nascida na pandemia e agravada pela guerra, abriu oportunidades para o Brasil aumentar sua produção de grãos e carnes e ser protagonista de uma volta por cima na crise. Mas, para especialistas, ampliar a safra, mesmo que ela seja mais cara, exigirá esforços político e fiscal inéditos. A necessidade de capital de giro para a safra 2022/23 deve aumentar 54% com o salto nos preços dos insumos e a possível expansão de área no país.
O ministro da Agricultura, Marcos Montes, já indicou a necessidade de mais de R$ 300 bilhões em recursos para financiar a produção a partir de julho e de R$ 22 bilhões para equalizar os juros aos níveis atuais. Apesar das dificuldades fiscais do país, o consultor Ivan Wedekin, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, diz que os instrumentos de subsídios diretos ao campo são baratos e eficientes e que há espaço para incrementá-los. “É preciso ter sensibilidade política e viabilizar a meta de expansão de crédito de apoio à agricultura para melhorar a oferta de alimentos para a população doméstica e garantir a segurança alimentar mundial”, disse Wedekin ao Valor.
O gasto federal efetivo com subsídios ao setor agropecuário correspondeu a 0,7% das despesas totais na média dos últimos dez anos. Em 2021, o governo gastou R$ 9,5 bilhões com equalização de juros, renegociação de dívidas, gestão de risco e políticas setoriais. O número representou apenas 0,6% do R$ 1,6 trilhão que saiu da conta única da União no ano passado. Levantamento feito pelo ex-secretário mostra que, entre 2001 e 2021, os gastos totais com a política agrícola oscilaram moderadamente em torno da média de R$ 8,7 bilhões por ano. A média do período entre 2006 a 2010 foi de R$ 7,81 bilhões e de R$ 9,9 bilhões entre 2011 a 2015.
“E é preciso ter sensibilidade econômica. Estamos falando de trocados perto de tudo que tem de gasto público”, destacou Wedekin. “Não pode haver ajuste fiscal em cima da agricultura. O setor já está desmamado, já está ajustado”, indicou.
Os gastos com a política agrícola corresponderam a apenas 0,84% do Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP), de R$ 1,13 trilhão em 2021. Apenas o orçamento do programa Auxílio Brasil para 2022 é de R$ 90 bilhões. O orçamento secreto, das emendas de relator, somam outros R$ 16,5 bilhões.
Wedekin diz que a temporada 2022/23 será de “transição”, em virtude da demanda mundial e do “galope” da Selic, que saiu de 2% e deve chegar perto de 13% no início do próximo plano. Sem receita mágica, ele defende “o esqueleto e a musculatura” da política agrícola, com a manutenção dos direcionamentos de recursos para aplicação em crédito rural nos bancos e o aumento de exigibilidades nos depósitos à vista, poupança rural e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).
A conta deve ser feita com o olhar até junho de 2023, lembrou. Até lá, juros e inflação devem se acomodar. “A projeção para os próximos 12 meses é de IPCA em torno de 5,2% ao ano e curva declinante na inflação. Por isso, os juros do crédito rural não podem ser tão altos.
Eles têm que estar abaixo de dois dígitos”, disse. Como o Banco Central brasileiro “reagiu antes” e elevou a Selic rapidamente, não foi possível fazer essa previsão na formulação do Plano Safra 2021/22. Nas estimativas de Wedekin, é possível elevar os juros da agricultura familiar em 1,5 ponto, os dos médios em meio ponto e os dos grandes produtores em 1 ponto. Essas taxas são de 3% a 4,5% no Pronaf, de 5,5% a 6,5% no Pronamp e de 7,5% a 8,5% no caso dos demais.
O ministro Marcos Montes disse nesta semana que o mundo está “pedindo pelo amor de Deus” para o Brasil produzir mais alimentos e livrar o planeta do risco da fome. Problemas de produção e exportação de milho na Ucrânia podem elevar a demanda pela produção brasileira do cereal, mas tudo precisa estar respaldado no principal instrumento de apoio direto do governo ao setor, afirmou Wedekin. O aumento de 29,8% nos preços dos alimentos no mundo nos últimos 12 meses até abril, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), é outro fator a ser ponderado no planejamento para que a produção do país chegue a 300 milhões de toneladas de grãos em 2023.