No início de janeiro deste ano, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) constatou uma redução de seu cálculo em quase 5 milhões de toneladas para a safra de 2023/2024, passando a dimensionar a safra da soja em 155,3 milhões de toneladas, ainda 0,4% acima do volume computado em 2022/23 e um novo recorde.
No mesmo período, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), por sua vez, baixou sua expectativa de 161 milhões para 157 milhões de toneladas. A consultoria AgRural cortou sua projeção em 9 milhões de toneladas, para 150,1 milhões. Já a Pátria Agronegócios passou a trabalhar com 143,2 milhões de toneladas, enquanto a Aprosoja Brasil, entidade que representa produtores de soja e milho, reduziu sua previsão para apenas 135 milhões de toneladas.
No início da semeadura, o potencial produtivo se aproximava de 165 milhões de toneladas, daí porque a quebra será uma das maiores da história, apesar da recuperação da produção na região Sul, que no ciclo 2022/23 sofreu com a seca gerada pelo fenômeno La Niña.
Muito bem, estes são alguns dados pesquisados, mas, vamos iniciar com uma pergunta de crucial importância:
As multiplicadoras e/ou revendedoras de sementes no país enfrentam problemas de falta de sementes para atender a demanda dos agricultores para o replantio?
A resposta é sim!
Está faltando sementes em todo território nacional, uma vez que a procura para o replantio aumentou no país exorbitantemente, sendo que os estoques são iguais a “zero”.
Alguns especialistas[1] afirmam que “semente tem no mercado”, mas não necessariamente aquelas que o agricultor está procurando.
Será? Temos nossas dúvidas e, infelizmente, o cenário para as próximas safras já nos causa preocupação, senão vejamos:
Já estamos com quase 15% da área nacional sendo replantada, ou mesmo sendo efetuado o replantio do replantio em algumas áreas do Mato Grosso. Contra fatos não há argumentos e, com certeza, o replantio, principalmente em MT, comprometerá a produtividade da soja brasileira.
Vejam outra estimativa da Conab, que apresenta em seu cálculo uma redução de 7 milhões e 700 mil hectares na safra 2023/2024 em todo país. O IBGE se mostra mais pessimista, apontando uma baixa ainda mais expressiva, de 3,2% frente à safra colhida. Aliás, alguns agricultores estimam uma baixa de 15% na sua safra 2023/2024.
Assim sendo, podemos observar que as questões climáticas não são as “únicas pedras no caminho” do agricultor brasileiro. Existem outras “pedras”: os custos com o frete, por exemplo, que segundo a ESALQ (USP), as despesas poderão ficar até 15% maiores em comparação com as de 2023.
Diante destes fatos, é importante que os governantes repensem a importância da cultura milenar da salva de sementes próprias pelos agricultores, porque esta é uma forma essencial e saudável de equilibrar o mercado, até porque em determinados momentos existe dificuldade de abastecimento de semente, como estamos presenciando no presente momento.
Se o produtor pegar parte da sua produção e selecionar, ele consegue manter a atividade de forma saudável, com sinergia e tendo controle da produção. Em outras palavras, com menor investimento, maior qualidade genética, autossuficiência no processo produtivo e economia na aquisição de sementes todos os anos. Com isso, seria possível eliminar o custo de comprá-las a cada safra.
O direito de guardar as sementes de variedades protegidas está expressamente reconhecido na nossa legislação e autorizado pelas disposições do direito internacional aplicáveis no país (Convenção da UPOV de 1978).
A Lei de Proteção de Cultivares nacional foi criada para organizar o mercado de variedades de sementes e mudas das diversas culturas e os direitos dos obtentores. Um dos principais benefícios dessa legislação é a liberdade que o produtor tem de comprar a semente (germoplasma), plantar e salvar uma parte delas para os plantios seguintes, independentemente do número de safras e tamanho da área.
No entanto, nos últimos anos, testemunhamos um aumento agressivo de leis sobre sementes, muitas vezes em nome do livre comércio. Por legislação de sementes, queremos dizer muitas vezes, regras de propriedade intelectual, como leis de patentes ou legislação relativa à proteção das variedades vegetais no regime da Convenção da UPOV, especialmente aquelas que regem o comércio e investimentos, regulamentações fitossanitárias, de biossegurança, certificação e as chamadas boas práticas agrícolas relacionadas ao marketing.
Note-se que a proteção intelectual não se restringe às sementes e mudas, abrange, em alguns casos, os produtos da colheita obtidos a partir das sementes protegidas. Como resultado, forte restrição de direitos, maiores custos e perda de autonomia dos agricultores.
De modo geral, essas leis decretam muitas vezes que as sementes próprias são ilegais, inadequadas para o plantio e uma fonte de risco para a genética da planta e, portanto, devem ser extirpadas.
Enfatizamos que, muito do desenvolvimento agrícola pode ser creditado à prática milenar de salvar sementes, por meio da qual um agricultor pode selecionar características favoráveis de determinadas culturas e obter variedades mais adaptadas ao clima, solo e demais características de cada região.
Salvar sementes apresenta-se como uma atividade produtiva absolutamente racional no mercado de insumos. O agricultor é seu próprio fornecedor, já que a semente salva comparece como fonte alternativa de insumo.
Para de fato ser considerado o celeiro do mundo, o Brasil precisa refletir mais seriamente sobre o assunto.
[1] Aprosoja, Agroconsult, Associação de produtores de soja e milho de MT, etc.
Charlene de Ávila
Advogada. Mestre em Direito. Consultora Jurídica em propriedade intelectual na agricultura do Escritório Neri Perin Advogados Associados – Brasília-DF
Neri Perin.
Advogado Agrarista especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela UFP. Diretor Administrativo do Escritório Neri Perin Advogados Associados – Brasília- DF.