Antes eram os transgênicos, e agora, a promessa da vez de uma agricultura exponencial fica por conta das novas técnicas de edição gênica[1]. Ou seja, a exemplo do que se deu a duas décadas atrás com os transgênicos, que seriam uma revolução da ciência para beneficiar a produção agrícola, a bola da vez são as NTG’s – Novas Técnicas de Edição Genômica.
Mas quem realmente se beneficiará destas novas técnicas genômicas?
Não será nem os agricultores e nem os consumidores, infelizmente.
Vamos explicar:
Para quem não sabe que no Brasil já acontece o desenvolvimento desta técnica, veja o exemplo da soja da Embrapa resistente a seca que ao cortar o DNA em um ponto específico, os pesquisadores conseguiram silenciar o gene, tornando essa variedade resiliente ao clima seco. Se os resultados estiverem de acordo com o que esperam os pesquisadores, a partir deste ano o produto chegará ao mercado.
Aliás, no Brasil, a partir de 2023, já foram aprovados pela CTNbio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, 49 produtos editados geneticamente entre alimentos de origem vegetal e animal, leveduras e aditivos de ração. No entanto, a manobra no processo de liberação e falta de transparência dificultam saber onde esses produtos são usados. Vocês sabem?
Mas, não é de se espantar ou surpreender, que a CTNbio, é famosa por liberar transgênicos sem a devida precaução, cujo colegiado composto por governo e pesquisadores deu um passo além na discussão sobre edição genética.
Aliás, os integrantes decidiram seguir o caminho dos Estados Unidos ao considerar que os produtos obtidos pelas Técnicas de Melhoramento de Precisão não são transgênicos e, assim, estariam dispensados de todas as etapas de liberação previstas na Lei Nacional de Biossegurança.
Um absurdo esta conduta, por que caracteriza escancaradamente a brecha legalizada na Resolução Normativa 16[2], que está sob investigação do Ministério Público Federal (MPF), mas segue em vigor e que precisa ser revista.
E como ficam os pequenos e médios agricultores?
Oras, ao negligenciar o estabelecimento de mecanismos para detectar e identificar novos organismos geneticamente modificados – OGM’s, o governo e pesquisadores colocam em risco a posição desses agricultores. E sabem por quê?
Porque sem a devida salvaguarda, os agricultores poderão, sem saber, cultivar campos contaminados ou usar sementes editadas pelas novas técnicas genômicas, arriscando processos por violação de patente e a sua produção, por causa da contaminação não intencional.
Na Europa, a situação não é diferente.
A proposta da UE sobre novas técnicas genômicas corre o risco de minar os direitos dos agricultores, a escolha do consumidor e a segurança alimentar. Sem salvaguardas robustas sobre patentes, rastreabilidade e biodiversidade, a legislação europeia (em negociação) pode acelerar o controle corporativo sobre a agricultura, colocando em risco a sustentabilidade e a agricultura em pequena escala.
Devemos priorizar os interesses de seus agricultores, consumidores e do meio ambiente.
Estamos firmemente na defesa da proibição de patentes sobre plantas e suas partes. Isso é essencial para garantir o acesso dos agricultores a todos os recursos genéticos para inovação vegetal, particularmente para pequenas empresas de sementes tradicionais que não podem pagar taxas de licenciamento, ou seja, os royalties.
Além disso, há a necessidade da rastreabilidade total e melhor rotulagem destas técnicas para salvaguardar a escolha do consumidor e proteger os agricultores de contaminação não intencional.
Em um mundo de crescente instabilidade geopolítica, não podemos nos dar ao luxo de enfraquecer seu controle sobre a segurança alimentar, sobre a diversidade genética e a proibição categórica das patentes de invenção de plantas e suas partes.
Renunciar à nossa autonomia estratégica neste setor é arriscar cada vez mais a concentração do negócio agroalimentar que já se encontra nas mãos de algumas corporações multinacionais – que dominam mais de 60% do mercado global de sementes.
Os riscos são altos demais para permitir que os interesses corporativos ditem o futuro da agricultura.
Vamos ficar atentos!
Charlene de Ávila – Advogada. Mestre em Direito. Consultora Jurídica em propriedade intelectual na agricultura de Neri Perin Advogados Associados – Brasília-DF
Néri Perin – Advogado Agrarista especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela UFP. Diretor Administrativo da Néri Perin Advogados Associados – Brasília- DF.
[1] Técnicas de Melhoramento de Precisão (Timp) são uma tradução adotada pela CTNBio para o termo em inglês Precision Breeding Innovation (PBI), cunhado na Europa. Além da CRISPR, há várias outras escondidas sob siglas igualmente incompreensíveis ao público: ZFN, ODM, Gene Drives e TALEs.
[2] Art. 1º São considerados exemplos de Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMP), mas não limitadas a estas, as tecnologias descritas no Anexo I integrante desta Resolução Normativa, que podem originar um produto não considerado como um Organismo Geneticamente Modificado (OGM) e seus derivados, conforme definições da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005.