Governo Lula orientou base a votar contra PL 490, mas sai derrotado; texto segue agora para análise dos senadores
Apesar da resistência do governo, a Câmara dos Deputados concluiu nesta terça-feira (30) a aprovação do PL 490, que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas. O texto-base foi aprovado com apoio de 283 deputados e teve 155 votos contrários. Um parlamentar se absteve. Os deputados rejeitaram os dois destaques que foram apresentados com sugestões de mudanças no parecer do relator Arthur Maia (União-BA). Agora, o texto segue para apreciação do Senado Federal.
O marco temporal estabelece que apenas as terras ocupadas por indígenas na época da promulgação da Constituição de 1988 poderão ser demarcadas. Ao longo do dia lideranças indígenas promoveram protestos contra a votação do projeto.
Diferentemente da semana passada, quando liberou a base a votar o requerimento de urgência como quisesse, nesta terça o governo orientou contra o mérito da matéria. Por isso, o avanço da medida representa uma nova derrota imposta pelo Congresso ao Palácio do Planalto.
A aposta do governo e da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, é que o Senado dificultará o avanço do projeto. Mais cedo, a ministra e outras lideranças indígenas se reuniram com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A proposta estabelece que os povos originários só têm direito às terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Com isso, indígenas poderiam ser expulsos de terras que ocupam atualmente se não comprovassem que já ocupavam esses territórios antes de 1988.
Além disso, o texto proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas, flexibiliza o uso exclusivo de terras pelas comunidades e permite que a União retome áreas reservadas em caso de alterações de traços culturais da comunidade.
A proposta dá aval ainda ao contrato de cooperação entre índios e não índios para atividades econômicas e permite o contato com povos isolados para intermediar ação estatal de utilidade pública.
Durante a sessão, o deputado Kim Kataguiri (União-SP), favorável ao texto, provocou os parlamentares que são contrários à matéria e disse que aqueles que defendem a inconstitucionalidade do tema devem questionar o Supremo Tribunal Federal (STF). “Estamos colocando o entendimento atual do STF.”
Por outro lado, a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) afirmou que, ao dar aval para o avanço do texto, a Câmara “envergonha o Brasil e o mundo por ataques sem precedentes aos povos indígenas”.
Horas antes da votação, a ministra, e parlamentares da bancada do cocar, entre eles, as deputadas Célia Xacriabá (Psol-MG) e Juliana Cardoso (PT-SP), pediram, em entrevista coletiva, a retirada da proposta da pauta do plenário da Câmara.
“Hoje estamos aqui para pedir a retirada do projeto de pauta de votações no dia de hoje. O projeto representa sim um genocídio legislado, porque vai afetar diretamente povos isolados. Autoriza acesso de terceiros em territórios onde vivem pessoas, povos que ainda não tiveram contato com a sociedade”, reclamou a ministra.
Em nota conjunta, a Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa) e Associação Mato-grossense de Produtores de Algodão (Ampa) e Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja) afirmaram que a Câmara analisou a proposta com “responsabilidade” e que o projeto dará segurança jurídica.
Tramitação no Senado
Após reunião com Sonia e lideranças indígenas, Pacheco sinalizou que a tramitação do marco temporal no Senado será mais lenta do que o andamento dado por Arthur Lira (PP-AL) na Casa comandada por ele.
A ministra pediu a Pacheco que a matéria não fosse analisada da mesma forma como na Câmara, quando foi aprovado o pedido de urgência e que, no Senado, o projeto passasse por comissões.
Na saída do encontro, a ministra destacou que Pacheco lhe garantiu que a proposta não será votada no Senado “de forma atropelada”.
Antes do encontro com Sonia, o presidente do Senado esteve com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, a favor da matéria.
A jornalistas, Fávaro disse que o marco temporal não foi a pauta da reunião com o presidente do Senado, mas reafirmou sua posição favorável ao tema. “Eu defendo a pacificação, eu entendo que os povos indígenas precisam, em alguns pontos, de uma atenção especial, de um pedaço maior de terra. Mas isso não pode ser em detrimento de produtores que estão há centenas de anos com propriedades tituladas. Precisamos achar um bom termo”.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), considerou uma vitória do governo o posicionamento de Pacheco sobre a matéria. “De qualquer sorte, acho que a grande conquista desta tarde foi a manifestação do presidente do Senado Federal de que essa matéria aqui terá a prudência necessária para o debate necessário. Não terá urgência para sua votação.”
Medida provisória dos ministérios
Ao chegar ao Congresso, antes da votação do marco temporal, Lira disse que a Câmara também deve colocar em votação ainda nesta terça-feira (30) as medidas provisórias (MPs) da reestruturação ministerial e do Bolsa Família, mesmo sem tê-las incluído na pauta.
Ele reclamou que as comissões mistas só entregaram os pareceres na semana passada e deixaram os deputados com pouco tempo para analisarem essas propostas antes que percam a validade.
A medida provisória amplia o número de ministérios, em acordo com as mudanças promovidas na estrutura federal quando Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse. O parecer elaborado pelo deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), no entanto, fez alterações que tira atribuições importantes dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas.
A despeito das críticas feitas pelas titulares das pastas, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, sinalizou que o governo apoiaria a nova versão. Caso a MP não seja votada dentro do prazo, a estrutura da Esplanada dos Ministério volta à deixada pelo governo Jair Bolsonaro, com menos pastas.
Por Marcelo Ribeiro, Raphael Di Cunto e Caetano Tonet, Valor — Brasília
FONTE: https://valor.globo.com/politica/noticia/2023/05/30/lira-adia-mp-da-reestruturacao-dos-ministerios-e-pauta-apenas-marco-temporal-para-esta-terca-feira.ghtml