Produção em alta e safras recordes têm feito presidentes se envolverem pessoalmente na escolha de diretores para as áreas mais críticas
O alto desempenho da produção, com safras recordes, tem obrigado os CEOs do agronegócio a se envolverem mais na escolha de diretores que conduzem áreas críticas nos negócios, como logística, sustentabilidade e vendas. No dia a dia, reservam tempo para orientar seleções, indicar perfis e ouvir recomendações do mercado. A pressão por localizar bons currículos é grande.
O Produto Interno Bruto do Brasil cresceu 1,9% no 1º trimestre do ano, em relação ao quarto trimestre do ano passado, segundo dados do Sistema de Contas Nacionais Trimestrais, medidos pelo IBGE. O avanço da agropecuária, de 21,6%, respondeu por cerca de 80% da expansão do PIB e foi o maior em quase 30 anos, desde o quarto trimestre de 1996, quando saltou 23,2%.
“O sucesso do CEO estará diretamente relacionado à competência e ao modelo de gestão da sua equipe direta”, avalia André Ceruzi, CEO e fundador da AgroSearch, consultoria especializada em recrutamento para o agronegócio na América Latina. “Assim, a participação na seleção de posições estratégicas é peça-chave para garantir que o que foi idealizado saia do papel.”
Ceruzi diz que, entre os maiores desafios encontrados pela alta gestão para localizar um currículo decisivo é a escassez de opções. “A maior parte dos líderes desse mercado está alocada em projetos, o que demanda mais tempo para a negociação e, claro, inflaciona o valor do contrato”, explica.
Das 1,2 mil posições que a AgroSearch preenche, em média, ao ano, 175 foram para postos de liderança em 2022, um aumento de 31% em comparação a 2021. Em 2023, até a primeira quinzena de agosto, 105 posições executivas foram intermediadas.
Na Cargill, gigante do agronegócio que encerrou 2022 com uma receita operacional líquida de R$ 125,8 bilhões – alta de 22% em relação ao ano anterior -, a escolha de talentos pela alta cúpula não se restringe ao núcleo de comando. “Participo ativamente das posições que se reportam diretamente a mim e, sempre que possível, procuro contribuir com seletivas para funções estratégicas”, afirma Paulo Sousa, presidente da Cargill no Brasil, no posto desde 2019.
Sousa lembra que, apesar de ser importante que a presidência colabore nos recrutamentos cruciais, as peneiras da multinacional americana de alimentos são fruto de colaboração entre as áreas. “Pessoas com diferentes perspectivas podem somar para processos seletivos mais efetivos”, destaca o dirigente, que ingressou na empresa em 1990, como trainee. “Para postos de liderança, sempre temos, pelo menos, dois executivos que entrevistam os candidatos finalistas, além do time de recursos humanos.”
A diretoria executiva da Cargill no país tem seis cadeiras e o grupo de liderança estendido conta com cerca de 25 profissionais. Já a equipe regional da América do Sul, liderada pelo presidente, inclui 12 gestores. Uma das últimas movimentações estratégicas em que Sousa se envolveu foi no final de 2022, no ingresso da executiva Letícia Kawanami como diretora de sustentabilidade do negócio agrícola na América do Sul. “É uma posição bastante importante na empresa e buscávamos experiências específicas”, diz.
Kawanami já atuou na Suzano, na coalizão empresarial Business for Nature e no World Economic Forum, na Suíça.
Além do currículo nas mãos, o gestor da Cargill afirma que utiliza uma combinação de fatores para localizar um bom líder – as seleções da companhia buscam obedecer, em média, um prazo de 42 dias entre a postagem da vaga e o aceite da proposta.
“O alinhamento com nossos propósitos e valores é o primeiro passo”, ensina. “Lidamos com um ambiente de complexidade que requer características como agilidade, flexibilidade, resiliência, senso de equipe e visão crítica.”
A busca da diversidade também entra na equação, lembra. “As mulheres representam 80% das contratações recentes para cargos de gerência ou diretoria.”
Mas nem sempre é fácil conseguir um perfil ideal, pondera. “Cada posição requer conhecimentos e, pela relevância do setor no Brasil, há uma competição grande por profissionais considerados ‘top talent’.”
A Cargill, com onze mil funcionários, tem [até o início da segunda quinzena de agosto] cerca de 20 posições para lideranças, em diferentes cidades. Este ano, anunciou a construção de uma nova planta em Primavera do Leste (MT), de soluções para pecuária de corte, com investimentos da ordem de R$ 100 milhões.
Na opinião de Fabrício Simões, CEO da Ubyfol, multinacional brasileira de 500 funcionários especializada em nutrição vegetal e atuação também no Paraguai, Bolívia, Uruguai e Portugal, a triagem de um diretor pode passar por indicações de mercado, referências pessoais e consultorias de recrutamento.
Na hora “h”, ele prefere alinhar critérios como capacidade técnica e sintonia com a cultura organizacional. Mas em todas as circunstâncias, é fundamental estabelecer uma empatia para o sucesso da escolha, ensina.
Foi o que aconteceu quando contratou Rodrigo Fortunato, ex- SuperBac e Tereos, para a direção de operações e suprimentos. “Por ser uma área ‘core’, me envolvo efetivamente no processo para captar percepções de liderança e habilidades gerenciais.”
Além da área de operações, Simões, no comando da empresa desde 2019, atuou diretamente na determinação das outras três cadeiras que formam a diretoria: RH e inovação; financeiro; marketing, comercial, pesquisa e desenvolvimento. Este ano, até 21 de agosto, a Ubyfol – que registrou um salto de 38% no faturamento de 2022, ante 2021 – contratou 171 pessoas, a maioria para atender demandas da safra 2023/2024. A companhia tem três vagas abertas para gerências no momento.
O CEO relata que a meta de tempo para o fechamento das posições é 40 dias, mas esse prazo tem se estendido, em média, a 90. Um dos cargos mais custosos para identificar até hoje foi o da diretoria de RH e inovação. “Queríamos um perfil sem background do agronegócio, a fim de trazer boas práticas de outros setores, em meio a um desafio organizacional, provocado pelo crescimento acelerado.”
E tudo indica que as contratações vão escalar. A holding Uby Agro, que controla a Ubyfol, anunciou uma nova fábrica de defensivos biológicos em Uberaba (MG). Com investimentos de R$ 100 milhões, a expectativa da companhia é gerar 400empregos diretos, até 2030.
Por Jacilio Saraiva — Para o Valor, de São Paulo – 28/09/2023