Entidade defende que o agro pode ser parte da solução no combate às mudanças climáticas
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) apresentou nesta terça-feira, em Brasília, quatro propostas do setor agropecuário para as negociações da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP27), além de recomendações gerais aos negociadores do país que participarão do evento, que será realizado em novembro no Egito.
“O Brasil espera que o esforço e o investimento dos brasileiros e, especialmente, dos produtores rurais, que destinam percentuais significativos de suas propriedades privadas à preservação ambiental, sejam reconhecidos pelo mundo como um ativo ambiental importante e incorporado à qualidade e às características de todos os produtos agrícolas produzidos no território brasileiro”, diz o documento da CNA.
A entidade ressalta que a demanda por recursos de financiamento climático gira em torno de US$ 8,9 trilhões, levando em consideração as contribuições apresentadas pelos países, as ações e os custos estimados para implementá-las. Com base em78 NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada) submetidas até março de 2021, estima-se que são necessários US$ 5,9 trilhões até 2030.
A confederação que representa produtores rurais reforça que é “essencial assegurar que a maior fatia dos recursos seja provida diretamente pelos países desenvolvidos”, e recomenda incentivos ao setor privado para financiar projetos que comprovadamente gerem redução de emissões e ou adaptação, por meio, por exemplo, de pagamentos por serviços ambientais e da emissão de títulos no mercado de capitais, como a CPR Verde.
“O Brasil pode e deve receber recursos de financiamento climático para apoiar a conservação de vegetação nativa e também a implementação de projetos de restauração florestal”, diz o documento.
Adaptação às mudanças
Outra proposta é criar mecanismos voltados à adaptação às mudanças climáticas, além de métodos para garantir a transparência com base em indicadores.
“A agricultura é extremamente afetada pela incidência de eventos climáticos extremos e, dessa forma, sofre impactos que prejudicam a produção e disponibilidade de alimentos, interferindo negativamente na segurança alimentar”, realça a entidade. A CNA defende que as negociações sobre meta global de adaptação em agricultura sejam pautadas pelas ações das partes em suas NDCs, além de serem apoiadas por financiamento climático e transferência de tecnologias.
A CNA também critica políticas regionais de alguns países que pretendem reduzir as emissões de gases de efeito estufa “a qualquer custo”, como as exigências para que produtores abandonem tecnologias já testadas e aprovadas para a produção de alimentos. Uma delas é o uso de defensivos e fertilizantes químicos, cita a entidade.
“Isso coloca em risco a garantia do fornecimento de alimentos seguros e em quantidade e qualidade suficientes. A substituição dos modelos de produção eficientes por outros menos impactantes não prescinde a demonstração da eficácia dos sistemas agora defendidos à sua substituição”, diz no documento.
“A CNA entende que a agricultura moderna e inteligente não pode ser substituída – mesmo que sob o pretexto da redução de emissões de GEEs – por tecnologias de baixo rendimento e insustentáveis do ponto de vista da segurança alimentar.
O retorno aos métodos do século passado não resolverá nem um problema nem outro, a não ser punindo os cidadãos mais pobres e deixando a garantia da segura produção de alimentos e os produtores em risco”, acrescenta.
A CNA também marca posição para que a COP27 formalize a criação do Comitê de Koronívia ou o Programa de Trabalho sobre Agricultura. Segundo a entidade, isso vai permitir intensificar ações no setor agrícola por meio de ações domésticas e internacionais de cooperação. A oficialização do grupo pode fortalecer as posições do Brasil nas decisões da Convenção-Quadro do Acordo de Paris.
Mercado de carbono
A entidade reforça, também, a pauta pela operacionalização dos mecanismos de mercado de carbono do artigo 6 do Acordo de Paris e diz que é relevante que o país busque a negociação de potenciais acordos cooperativos com países que tenham interesse em comprar os Resultados de Mitigação Internacionalmente Transferidos (ITMOs, na sigla em inglês) gerados por setores como agropecuária e energia.
“É recomendável buscar incluir ITMOs com base em redução de desmatamento e/ou recomposição de vegetação nativa com escala elevada, em função do custo de operacionalização, o que favorece projetos de grande extensão, bem como o uso dos Créditos de Descarbonização por Biocombustíveis (CBIOs) do RenovaBio”, defende a entidade.
Para a CNA, é fundamental evoluir nas definições sobre como cumprir com os requisitos para operacionalizar o mercado de carbono para garantir vantagem competitiva ao Brasil, como os conceitos sobre os ajustes correspondentes – mecanismo que evita a contagem dupla de créditos de carbono –, os relatórios nacionais sobre acordos cooperativos – que permitem operacionalizar os acordos bilaterais para alcance das NDCs –, o marco temporal para a contabilização dos créditos entre países e o monitoramento.
No ano passado, o Brasil consolidou suas NDCs na COP26. O país assumiu o compromisso de reduzir a emissão de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e 50% até 2030 em relação ao emitido em 2005. As metas preveem ainda atingir a neutralidade climática até 2050, zerar o desmatamento ilegal até 2028, restaurar e reflorestar 18 milhões de hectares de florestas para uso múltiplo até 2030 e alcançar a participação estimada entre 45% e 50% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030.
O que disseram os ministros
O ministro das Relações Exteriores, Carlos França, afirmou, durante o evento, que o governo brasileiro tem o dever de rejeitar que considerações climáticas sejam utilizadas como barreiras comerciais ilegais e garantiu que o Itamaraty vai trabalhar contramedidas “unilaterais arbitrárias com efeitos nocivos sobre a exportação de alimentos” do país na Organização Mundial do Comércio (OMC).
França garantiu que o país vai reforçar na COP27 a mensagem de que está comprometido com o Acordo de Paris e que o agronegócio é parte da solução ambiental, e não do problema.
O chanceler defendeu que os debates sobre o regime mundial de combate às mudanças do clima considerem a perspectivada segurança alimentar e energética, e pediu financiamento internacional adequado para apoiar o desenvolvimento de novas capacidades voltadas à redução do impacto das mudanças climáticas no setor.
O ministro disse também que é preciso uma parceria público-privada continuada para melhorar as informações sobre o desmatamento no país. França disse que os números divulgados atualmente confundem a opinião da população brasileira e dos estrangeiros. “Precisamos dispor de melhor informação possível, contar com dados seguros, verificáveis e incontestáveis, de maneira que possamos mostrar ao mundo a verdadeira realidade”.
Já o ministro da Agricultura, Marcos Montes, afirmou que a COP27 é uma oportunidade para o Brasil virar o jogo na narrativa ambiental. “Estamos em uma encruzilhada. A COP tem a complexa missão de falar sobre redução de emissão de gases de efeito estufa, mas também sobre segurança alimentar. É o ponto em que o Brasil pode vencer a narrativa, para mostrar que está produzindo”, afirmou no evento.
Por Rafael Walendorff, Valor — Brasília
18/10/2022 11h49