Maiores companhias da B3 retornaram R$ 280 bilhões em proventos a acionistas
As principais companhias brasileiras elevaram significativamente o retorno aos acionistas por meio de dividendos e juros sobre capital próprio em 2021, depois de um 2020 cheio de incertezas e movimentos mais cautelosos. Um cenário mais previsível, ainda que dentro da pandemia, e um ótimo momento para as commodities em geral ajudaram na decisão. E a expectativa, a depender da conjuntura para as principais exportadoras do país, é de outro ano positivo. Levantamento feito pelo Valor com as 50 companhias com maior valor de mercado da B3 apontou um aumento de 179% nos proventos relativos ao exercício de 2021, para R$ 280,7 bilhões, na comparação com 2020. Os dados foram levantados a partir de documentos entregues à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), como formulários de referência e propostas de assembleias de acionistas.
O desempenho é puxado para cima pelos pagamentos de dividendos de Petrobras e Vale, que, sozinhas, representam quase 60% desse desembolso, com R$ 163 bilhões. Só a petrolífera pagou R$ 101,4 bilhões em proventos, enquanto a mineradora destinou R$ 61,7 bilhões aos acionistas. Porém, mesmo excluindo esse pagamento acima do esperado, as outras 48 companhias registraram avanço de 71%, para R$ 117,3 bilhões, com Itaú, Ambev, Bradesco, WEG e Santander liderando a lista.
Os analistas têm leituras distintas sobre o que levou ao pagamento tão generoso de proventos. Entre as avaliações estão a valorização generalizada das commodities no ano passado, o acúmulo de caixa após o primeiro ano da pandemia e a melhor saúde financeira das empresas.
Para a estrategista de ações da XP, Jennie Li, o crescimento no pagamento de dividendos foi impulsionado pelo avanço nos preços de commodities em 2021, com o petróleo 63% mais alto do que 2020 em dólares, e o minério de ferro 46% acima da média de 2020. Ela destaca o grande peso de empresas de commodities na B3. Li ressalta que as empresas não fizeram grandes investimentos no ano passado. “A Petrobras até vendeu ativo, tudo isso resulta em geração de caixa muito forte, que gera dividendos.”
A analista também afirmou que o crescimento no pagamento de dividendos pode estar relacionado com a pandemia, se levarmos em conta que os maiores preços de commodities foram reflexo de demanda muito forte pós-crise. “Em termos de crescimento doméstico, 2021 não foi um ano tão ruim como esperado.” Guilherme Tiglia, sócio e analista de ações na Nord Research, também aponta a pandemia, que afetou as commodities e mudou o perfil das companhias em relação aos investidores. “E muito consequência das commodities, primeiro a pandemia e depois a guerra, e rolou um desbalanceamento de oferta. Essas empresas se tornaram empresas defensivas, que conseguem apresentar bons resultados”, destaca.
O sócio da Nord também destaca a questão dos bancos, que foram bastante cautelosos em suas provisões em 2020, e se depararam com um cenário melhor no ano seguinte. O analista da Suno Research João Daronco lembra ainda que os bancos foram impedidos de distribuir dividendos durante boa parte de 2020, o que levou a um acúmulo de lucros a serem pagos em 2021. Daronco também destaca que o momento adverso levou parte das companhias a acumularem caixa no primeiro ano de pandemia. “Em um momento com maior incerteza você acaba sendo mais conservador, logo, distribui menos e deixa mais em caixa. Muitas empresas tiveram suas receitas cortadas, então elas decidiram guardar dinheiro em caixa para passar o momento de incerteza”, aponta Daronco.
Já segundo o chefe da área de análise e pesquisa do BTG Pactual para América Latina, Carlos Eduardo Sequeira, as empresas brasileiras vêm reduzindo seu endividamento nos últimos anos, o que justifica o aumento no pagamento de dividendos. “As empresas estão capitalizadas, os negócios estão indo bem, e elas estão numa posição de pagarem mais dividendos”, disse. Ele ressaltou que muitas empresas inclusive pagaram mais do que os 25% de lucros em dividendos exigidos por lei. Para ele, os maiores dividendos têm pouca relação com a pandemia. “A maior parte da melhora tem a ver com um avanço importante da situação dos balanços das empresas brasileiras”, afirmou. Sequeira destacou que a pandemia foi muito cruel com empresas menores, mas as maiores, com mais fôlego, aguentaram melhor, e se aproveitaram da fraqueza das menores para ganhar mercado.
Apesar de o crescimento de lucro de 2021 ante 2020 ter sido grande devido à pandemia, mesmo antes, em 2019, as empresas já reportavam lucros mais razoáveis, disse. Para 2022, a expectativa é que, caso o comportamento de preços das commodities se mantenha, haverá mais um ano generoso para os investidores. Tiglia, da Nord, lembra que o desempenho de algumas empresas depende de alguns fatores que não estão completamente sob controle delas. “Muita coisa não depende das empresas, como cenário macro e [preço das] commodities”, destaca. “A demanda na China, por exemplo, pode impactar, isso já refletiu nas ações da Vale.”
Por outro lado, Tiglia acredita que os bancos podem entregar mais que no ano passado, com uma redução das provisões beneficiando os resultados. “Os bancos foram extremamente conservadores em pontos críticos, e não atingiram um ponto ótimo, têm onde melhorar”, comenta. A estrategista de ações da XP concorda com a dependência do cenário das commodities para um bom desempenho de algumas das principais empresas brasileiras, e lembra também das empresas reguladas, como as elétricas, que historicamente têm pagamentos fortes, altos e regulares, pela própria natureza delas.
Do ponto de vista negativo, setores que dependem mais do mercado local podem sofrer mais neste ano, com um ambiente macroeconômico mais difícil no primeiro semestre e incertezas relacionadas ao cenário eleitoral a partir de julho, aponta Daronco, da Suno. “É ruim falar de um aspecto como [o cenário] macro, mas desde o fim do ano, houve uma deterioração, com redução da massa salarial, inflação… E isso pode enfraquecer um pouco o resultado das empresas no geral, a gente viu varejo sofrendo no fim do ano. Construção é outro setor que também deve ser mais fraco.” Já Sequeira, do BTG, destaca que as empresas continuam muito capitalizadas, e companhias como Petrobras, Vale e do setor de telecomunicações devem continuar pagando dividendos. “Algumas empresas podem ser cautelosas ao longo de 2022, pois a economia brasileira deve piorar no final do ano”, diz.