O fato de o FMI ter aprovado as contas do governo na semana passada não reduziu as preocupações dos investidores
A desconfiança na capacidade do governo argentino de pagar suas dívidas em pesos voltou a assombrar a Argentina, causando fuga de capitais e pressionando a alta do dólar no país. Só na semana passada os fundos retiraram 60 bilhões de pesos (pouco menos de US$ 500 milhões pelo câmbio oficial) do mercado local e é cada vez maior o temor de que o governo não conseguirá rolar um vencimento de 600 bilhões de pesos (quase US$ 5 bilhões) no fim do mês.
“Parece impossível que o governo consiga rolar esse vencimento de 600 bilhões de pesos”, disse o diretor da consultoria Perspectivas Econômicas Luis Secco. “O governo poderia, como alternativa, oferecer taxas mais altas, mas não acho que [o governo] aceitaria os valores pelos quais o mercado aceitaria renovar os títulos.”
“Para renegociar os vencimentos e rolar a dívida, o governo precisa oferecer taxas que sejam mais atrativas para o mercado do que outros investimentos [como o dólar]”, prossegue Secco. “Mas ainda assim a situação se tornaria complexa na medida em que ampliaria a dívida em pesos” O fato de o Fundo Monetário Internacional (FMI) ter aprovado as contas do governo no fim da semana passada não reduziu as preocupações dos investidores e o dólar voltou a subir ontem.
O dólar paralelo (blue) fechou ontem a 217 pesos – maior cotação desde fevereiro -, enquanto que o dólar financeiro (contado con liqui, usado para enviar o dinheiro para fora do país) subiu mais de dez pesos, para 237,74 pesos, maior valor desde janeiro, elevando o spread com a taxa oficial para mais de 94%. O FMI fechou em março um acordo para refinanciar US$ 44 bilhões da dívida da Argentina com a entidade sob a condição de o país cumprir metas fiscais e de controle da inflação.
Os preços, porém, permanecem em alta e o índice ao consumidor de abril foi de 6% – 58% em 12 meses, maior taxa desde 1992. O pacto com o Fundo também impede que o Banco Central emita mais do que 1% de seu PIB por ano. Hoje, vencem 11 bilhões de pesos (US$ 90 milhões) em bônus do Tesouro, algo que os analistas acreditam que não deva trazer muitos problemas para o governo argentino.
Mas a rolagem de 600 bilhões de pesos (pouco menos de US$ 5 bilhões) no fim do mês em títulos será um desafio para o ministro da Economia, Martín Guzmán, que ontem descartou o risco de um calote da dívida em pesos. “Nosso governo jamais fará isso”, afirmou. Segundo Secco, o grande problema é que toda a política econômica argentina tem sido afetada pela falta de confiança no governo. “Assim, todas as políticas perdem eficácia, como aconteceu com o acordo com o FMI”, diz.
O governo do presidente, Alberto Fernández, no entanto, assegura que o calote da dívida interna – como o que ocorreu ao final do mandato de seu antecessor, Mauricio Macri – não deve ocorrer. Mas, segundo jornais argentinos, Fernández ainda não conseguiu fechar novos empréstimos com entidades internacionais que busca para renegociar a dívida em pesos. Para ampliar a receita do governo, Guzmán defende o projeto de lei de uma nova alíquota de imposto para 350 empresas que faturam mais de US$ 1 bilhão.