Censo 2022 mostra que, dos 100 maiores polos agropecuários do país, os que mais cresceram desde 2010 foram os que se destacam na produção de grãos
Por Lázaro Thor Borges, Venilson Ferreira, Nayara Figueiredo e Patrick Cruz — Cuiabá e São Paulo
Quem visitou o norte de Mato Grosso há dez anos e volta agora à região, que tira da agricultura a sua riqueza, pode não reconhecê-la mais. “Amigos meus que vieram para cá oito anos atrás, quando chegam aqui, se assustam com o crescimento da cidade”, afirma Ilson José Redivo, de 67 anos, presidente do sindicato rural de Sinop, o principal e mais populoso município do norte do Estado, de acordo com os dados do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O Censo 2022 mostra que Sinop, a “Capital do Nortão” mato-grossense, foi uma das concentrações urbanas com uma das maiores taxas médias de aumento populacional do país entre 2010 e 2022. Nesse intervalo, o crescimento da cidade foi de 4,69% ao ano. Em números absolutos, a expansão foi de 73,4%, para 196 mil habitantes.
Uma das descobertas do Censo 2022 que mais saltaram aos olhos foi a de que o agronegócio foi um dos principais vetores de expansão populacional no Brasil nos últimos 12 anos. O Centro-Oeste, expoente da agropecuária nacional, foi a região que mais cresceu nesse intervalo: entre 2010 e 2022, o aumento médio de sua população foi de 1,23%, ritmo mais de duas vezes maior que do que a média brasileira, de 0,52%.
Mas uma leitura mais atenta dos dados do Censo mostra que, mais do que qualquer outra atividade, foi a agricultura o grande motor do aumento populacional das “capitais do agro”. O cultivo de grãos, em particular de soja, principal atividade em Sinop e em boa parte das cidades de Mato Grosso, puxou o crescimento do número de habitantes nos polos agropecuários.
Polos da agropecuária
Os economistas Renato Conchon e Gustavo Vaz da Costa, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) cruzaram os dados do Censo 2022 com a lista de cidades que lideram a atividade agropecuária no país. Dos 100 municípios com maior Valor Adicionado Bruto (VAB) da agropecuária, 86 ficaram mais populosos no intervalo entre 2010 e 2022. Para o comparativo, os economistas consideraram o VAB, e não o Produto Interno Bruto (PIB), indicador que soma a geração de riqueza de todas as atividades econômicas dos municípios.
Nos 86 em que a população aumentou, o cultivo de grãos é, de longe, a atividade predominante. Sinop, por exemplo, é uma cidades que lideram o ranking de exportações de Mato Grosso – e a soja responde por 85% do total dos embarques.
Hoje, em Sinop, tem muito mais agrônomo do que médico, do que advogado. Mas não é só o funcionário da fazenda que impulsiona o aumento da população. O crescimento se deve a uma cadeia de suprimentos que alimenta a propriedade. Mecânico, vendedor, pedreiro, todo mundo trabalha para o agronegócio, mesmo que indiretamente.
— Ilson José Redivo, presidente do sindicato rural de Sinop
Em 1980, a cidade tinha apenas 19 mil habitantes, e, partir dos anos 1990, a taxa média de crescimento anual foi de vertiginosos 8,21%. Segundo a pesquisadora Rosimeire Vilarinho da Silva, da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), a economia do município baseou-se por muito tempo na exploração da madeira, que correspondia a 85,4% do pessoal ocupado. Com o aumento da fiscalização ambiental, a partir dos anos 2000, Sinop mudou a rota do seu destino.
“Na última década, após o declínio da indústria madeireira, o município fez uma transição para a agricultura mecanizada. Hoje, ele vem se destacando na cultura de grãos como soja, milho e algodão, assim como também tem intensificado o processo industrial, principalmente o ligado ao agronegócio, como a usina de etanol de milho, que aproveita a capacidade produtiva regional”, diz ela.
Etanol de milho
A transição para a agricultura mecanizada fez surgirem em Mato Grosso indústrias que produzem etanol a partir do milho. Nos últimos dez anos, quatro plantas, de duas empresas do segmento, instalaram-se nas cidades de Sinop, Lucas do Rio Verde – que teve crescimento populacional de 84% de 2010 a 2022 -, Nova Mutum, que cresceu 76% e Sorriso (a maior produtora de soja e milho do país), cidade em que a população aumentou 67% nesse intervalo.
De acordo com o Sindicato Rural de Sinop, as quatro fábricas, localizadas no eixo da BR-163, esmagam aproximadamente 400 mil sacas de milho por dia. Esse volume corresponde à circulação de 500 carretas pela rodovia diariamente.
Uma agroindústria para chamar de sua
Quem não tem uma agroindústria para chamar de sua, sonha com isso diariamente. É o caso de Querência, na região nordeste do Estado. No município, o prefeito Fernando Gorgen conta a novidade do ano: uma das fabricantes de etanol instalada em um município vizinho comprou também um terreno perto da cidade.
Nos últimos anos, Querência, sinônimo de “vila” ou “local de nascimento” e um termo de uso corriqueiro no Rio Grande do Sul, virou destino de pessoas que deixaram o Nordeste do país. Uma das vias da cidade ganhou o apelido de “Avenida Maranhão”.
Há muitos trabalhadores vindos da Bahia ou do Maranhão que chegam para trabalhar nas fazendas, mas também muitos que estão na construção civil, em razão de o agronegócio ter dado um salto. E mesmo assim falta mão de obra.
— Fernando Gorgen, prefeito de Querência
Entre 2010 e 2022, o número de habitantes de Querência cresceu 105% e chegou a quase 27 mil pessoas, o que fez de sua população a sexta que mais cresceu no país nesse período. Não é coincidência que a área de cultivo de soja do município tenha praticamente dobrado nesse intervalo.
“Existe hoje uma defasagem de 2 mil casas, e todo dia tem novas matrículas nas escolas. Eu termino uma escola e as matrículas acabam. Estamos construindo quatro escolas, mas quase todas estão com matrículas cheias”, diz Gorgen. “Além disso, nos últimos três anos, nós aprovamos mais de 25 loteamentos”.
“Tem engarrafamento, é muita gente”
Alguns dos terrenos nesses locais são negociados pelo corretor João Carlos Gomes, de 59 anos, que chegou à pequena vila de Querência em 1997, quando a madeira ainda era a principal atividade da região. “Hoje em dia, se você sair de moto ou de carro, principalmente no começo do mês, o trânsito fica insuportável, tem engarrafamento, é muita gente”, afirma.
O crescimento de Querência deveu-se, também, à melhoria da infraestrutura, com o asfaltamento da BR-242, que acabou com os 120 quilômetros de estrada de chão. “Era uma cidade que não era de passagem”, relembra Valério Fernandes, servidor público de 44 anos que se mudou para Querência também nos anos 1990. “Você vinha porque aqui era o ponto final da linha”.
Hoje, a “cidade fim de linha” planta soja em mais de 400 mil hectares, uma das maiores áreas de cultivo do grão no país.