O Instituto Nacional de Propriedade Intelectual fez uma Consulta Pública que ficou aberta por 30 dias e se encerrou no início do mês de julho. A Nota técnica INPI/CPAPD n° 01/2022, publicada em abril de 2022 pelo Comitê Permanente de Aprimoramento dos Procedimentos e Diretrizes de Exame de Patentes (CPAPD), tem como objetivo elucidar questões de patenteabilidade no que se refere aos eventos de elite em plantas.
Eventos de elite são aqueles que, dentre os eventos de transformação em plantas, apresentam o melhor desempenho. Os referidos eventos relacionam-se ao processo de transgênese, ou seja, processo de alteração genética em que se introduz no genoma de um ser vivo um fragmento de DNA exógeno, que confere uma característica de interesse a uma planta, como por exemplo, resistência a herbicidas.
Segundo a Nota Técnica, entende-se que materiais biológicos isolados do todo ou de parte de seres vivos estão englobados no escopo do art. 10 (IX) da LPI, mas não no escopo de exclusão de patenteabilidade do art. 18 (III) da LPI. Em outras palavras, quando o ser vivo é natural, por força do art. 10 (IX) da LPI, o seu patenteamento não é possível por não ser considerado invenção: (a) em sua integralidade (o todo), (b) em suas partes como, por exemplo, uma semente ou uma folha, e também (c) em seus materiais biológicos intracelulares, como proteínas e outras moléculas, ainda que isolados do ser vivo. Considerando a análise do ilustre doutrinador Newton Silveira[1]:
Organismo: A Biologia entende por organismo todo ser individual que incorpore as propriedades da vida. O termo é sinônimo de organismo vivo, ser vivo, forma de vida, vida, criatura, espécime, espécimen, indivíduo, ser, ente, dentre outros. Os organismos podem ser classificados em organismos multicelulares, tais como animais, plantas e fungos e em microrganismos celulares, tais como protistas, bactérias e arqueias. Todos os tipos de organismos são capazes de reprodução, crescimento e desenvolvimento, manutenção e respostas a estímulos, v.g., os humanos, as lulas, os cogumelos e as plantas vasculares, que diferenciam tecidos e órgãos especializados durante seus desenvolvimentos existenciais.
Microrganismo ou micróbio é um organismo que só pode ser visualizado por meio de um microscópio. São microrganismos os vírus, as bactérias, os protozoários, as algas unicelulares, os fungos (leveduras unicelulares e demais fungos pluricelulares) e os ácaros. Os seres microscópicos não são necessariamente unicelulares, a exemplo dos próprios ácaros.
Na Biologia, genoma é toda a informação hereditária (passada para seus descendentes) de um organismo, que está codificada em seu DNA (em alguns vírus, no RNA). Isto inclui tanto os genes como as sequências não-codificadoras, que são muito importantes para a regulação gênica, dentre outras funções.
Gene: Na genética clássica gene é a unidade fundamental da hereditariedade. Cada gene é formado por uma sequência específica de ácidos nucleicos, que são as biomoléculas mais importantes do controle celular, por conterem a informação genética. Há dois tipos de ácidos nucléicos, o ADN (ácido desoxirribonucleico) e RNA (ácido ribonucleico).
Na linguagem da genética pós-moderna, o gene é entendido como uma sequência de nucleotídeos do ADN, que pode ser transcrita em uma versão de RNA mensageiro responsável pela síntese proteica (expressão). É um segmento de um cromossomo que corresponde um código distinto, uma informação para produzir uma determinada proteína ou controlar uma característica como, por exemplo, a cor dos olhos.
Dos conceitos acima apresentados, conclui-se que um gene não é um microrganismo, senão apenas uma parte de um cromossomo, um segmento de DNA, uma sequência de ácidos que contém informação relevante para a hereditariedade. Depreende-se, ainda, que os genes engenheirados pela inventividade e intervenção humanas não se enquadram na definição legal de microrganismo transgênico, objeto do artigo 18 da Lei de Propriedade industrial vigente no Brasil desde 1996, não sendo, portanto, possível protegê-los por patente no Brasil, nem que sejam o resultado de um método de produção patenteado. Por todo o acima exposto, é forçoso concluir que nem sementes nem genes são patenteáveis no Brasil.
Como tal conclusão em nada se altera por eventual manipulação genética havida em cromossomos ou seus segmentos, todo e qualquer ato administrativo que resulte em uma patente no Brasil com reivindicações (diretas e/ou indiretas) de sementes ou de suas partes como também sobre suas partes subcelulares, incluindo células e genes, bem como métodos considerados biológicos de melhoramento de plantas, uma vez que não se tratam de microorganismos transgênicos, serão estes atos inválidos.
Assim, é certo que a semente não é um microrganismo porque não é micro, mas visível a olho nu. Por outro lado, o gene de uma semente, modificado por um processo, não é um microrganismo porque não é um organismo, mas parte do organismo planta. Um organismo, na biologia, é um ser vivo, com vida própria, dotado de pele que o separa do mundo exterior, ou seja, um microorganismo é um indivíduo vivo não visível a olho nu, como os micróbios, bactérias, vírus, etc. Desta feita, tratando-se de um caso de proibição categórica de patenteamento, a exceção dos microrganismos transgênicos é definida especificamente.
Seres vivos e partes deles não serão patenteados, seja qual for a utilidade que deles se alegue como solução técnica para um problema técnico. Utilidades novas ou não, técnicas ou não, nada assegurará uma patente de produto para um ser vivo, ou parte dele. Por isso é categórica a exclusão. Assim sendo, plantas transgênicas e suas partes (por exemplo, célula transgênica, tecido transgênico e órgão transgênico) não são consideradas como matérias patenteáveis segundo o art. 18 (III e parágrafo único) da LPI.
Ainda que o processo de obtenção de plantas transgênicas seja patenteável, é importante ressaltar que os produtos intermediários e/ou finais desse processo, ou seja, a planta transgênica e/ou as partes dessa planta, constituem matérias expressamente proibidas de patenteabilidade segundo o art. 18 (III e parágrafo único) da LPI. No caso das normas de exclusão incondicional de patenteamento, como as do art. 18, III, o que se tem é uma exclusão que opera em face a um invento que mesmo dotado de todos os requisitos da patenteabilidade, assim não será patenteável, por força de exclusão condicional e políticas públicas.
[1] Professor NEWTON SILVEIRA, em Nota Técnica sobre a patenteabilidade de sementes e de genes no Brasil, sob o título de “Nem a semente de soja nem seu gene engenheirados são micro-organismos” publicado no site Migalhas em 09.07.2020, podendo ser consultado em https://migalhas.uol.com.br/depeso/328625/nem-a-semente-da-soja-nem-seu-gene-engenheirado-sao-micro-organismos.
ARTIGO
Charlene de Ávila / Advogada / Mestre em Direito
Consultora Jurídica em propriedade intelectual na agricultura de Néri Perin Advogados Associados