Entidade pede ações coordenadas para não repetir erros que causaram altas exacerbadas como na crise de 2008-2010
Por Assis Moreira — De Genebra
A inquietação com o protecionismo no comércio mundial de alimentos, alta da inflação e riscos de agitação social entrou firme na agenda da Organização Mundial do Comércio (OMC), e uma nova batalha entre exportadores e importadores se delineia sobre as soluções a uma crise no curto prazo. A diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, defendeu que, embora apenas 12 membros da entidade tenham imposto restrições à exportação de alimentos até agora, é necessária uma ação governamental coordenada para evitar a repetição das restrições de vendas ao exterior em cascata que exacerbaram o aumento dos preços dos alimentos na crise de 2008-2010.
Ngozi sugeriu que os países com excessos em seus estoques alimentares de segurança os coloquem no mercado, liberando trigo, cevada, outros cereais e grãos e óleos nos mercados internacionais, para aliviar o aperto do abastecimento. Ela insiste que a resposta desta vez tem que ser mais rápida do que à da pandemia de covid-19. Menciona o espectro da escassez de alimentos em países dependentes da Ucrânia e da Rússia para a importação de produtos básicos essenciais como o trigo, exemplificando que na África os preços das principais commodities subiram de 20% a 50% entre janeiro e março. “Para dezenas de países pobres e dezenas de milhões de pessoas, a segurança alimentar básica está em perigo”, disse Ngozi. “Esses países já foram alguns dos mais atrasados na recuperação econômica da pandemia, e é necessária a cooperação internacional no comércio para ajudar a mitigar os riscos de pobreza, fome, até mesmo fome e agitação social.”
O Grupo de Cairns, coalizão de 19 países exportadores agrícolas – incluindo o Brasil, Argentina, Austrália, Canadá e África do Sul – sinaliza que quer ser parte da solução, mas com real solidariedade e não para reforçar agendas nacionais protecionistas que se aproveitariam da crise atual. As críticas do grupo visam principalmente a Índia, que gasta bilhões de dólares com formação de estoques por razões de segurança alimentar, uma boa parte, porém, apodrecendo nos armazéns do governo. E agora já apareceu especialista indiano apontando oportunidade para jogar parte do trigo desses armazéns no mercado internacional para se beneficiar dos preços altos, e mesmo se tornar um grande exportador em 2022.
Foi graças aos subsídios por razões de segurança alimentar que a Índia turbinou sua produção de arroz e açúcar e é atualmente um dos principais exportadores globais dessas commodities. Ao mesmo tempo, a Índia quer manter seu mercado fechado. Em reação às declarações de Ngozi, alguns países têm sinalizado que quanto melhor o mercado funcionar, menor a chance de desastre. E que uma solidariedade real significa, por exemplo, que alguns países baixem suas tarifas de importação de alimentos. Ngozi não mencionou os países que impuseram restrições nos embarques de alimentos. Mas é conhecido que o Egito proibiu exportação de farinha, lentilhas, trigo, massas. A Rússia tem a suspensão das exportações de fertilizantes e proibição de grãos para alguns países.
Moldávia, Hungria, Sérvia proibiram algumas exportações de grãos. A Indonésia impôs mais controle sobre vendas do óleo de palma. A Argentina planejou frear embarques de grãos. O Global Trade Alert (GTA), que monitora medidas comerciais adotadas pelos países, a partir da Universidade de Saint-Gallen (Suíça), diz que desde a invasão da Ucrânia um total de 31 restrições à exportação de alimentos e fertilizantes foram introduzidas pelos governos. Alguns países diminuíram barreiras comerciais à importação de alimentos e fertilizantes. Os governos dos países em desenvolvimento foram responsáveis por doze dos quinze novos esquemas de subsídios anunciados para alimentos e agroalimentar.
Vários países em rotas de transporte terrestre da Ucrânia para o mar Mediterrâneo introduziram restrições à exportação de alimentos ou compraram suprimentos locais extras, reduzindo as quantidades disponíveis à exportação. “Dadas as legítimas preocupações sobre suas implicações para a segurança alimentar dos parceiros comerciais, não é de se admirar os controles de exportação estão no centro das atenções”, diz o Global Trade Alert. No entanto, nota que governos tomaram também dezenas de outras medidas para aliviar as pressões nos mercados nacionais de alimentos. Até agora, neste ano, um total de 27 países adotaram 43 medidas para aumentar os subsídios aos agricultores, produtores de fertilizantes produtores ou para subsidiar a compra de alimentos pelos cidadãos.
Para a diretora-geral da OMC, países como os EUA, Canadá, Austrália, Argentina e França poderiam aumentar também o cultivo de trigo enquanto outros, como China, Alemanha, Marrocos, Arábia Saudita, Egito e Nigéria poderiam elevar o fornecimento global de fertilizantes.