A indústria da biotecnologia e seus aliados estão trabalhando duro para convencer e ludibriar, em nível global, as instituições para que acreditem que a nova geração de OGMs (Organismos Geneticamente Modificados) é tão segura a ponto de não exigirem sua regulamentação. Eles também estão inventando uma história de que os novos OGMs terão sucesso onde os anteriores falharam: na promoção de uma agricultura justa, socialmente e ecologicamente sustentável. E o esforço do lobby industrial está tendo sucesso e, provavelmente, os novos OGMs (plantas, animais, fungos e microrganismos) não passarão mais por verificações de segurança alimentar e ambiental, nem serão monitorados ou rotulados.
Infelizmente, um pequeno reduto de corporações de biotecnologia controla os aspectos-chave do sistema alimentar com a gigante da biotecnologia, Corteva Agriscience na pole position.
Em alguns casos, elas estão confundindo, propositalmente, a distinção entre OGMs e técnicas de melhoramento convencionais ao patentear características que podem ocorrer tanto naturalmente ou como resultado de engenharia genética – reivindicando todas as plantas e suas partes a fim de que o objeto que se pede a patente seja considerado uma “invenção técnica”.
As mesmas corporações argumentam que novos OGMs devem ser excluídos das verificações de segurança e requisitos de rotulagem para alimentos geneticamente modificados porque, alegam, são iguais às plantas naturais.
Patentes foram projetadas para proteger inovações de produtos e fornecer direitos de propriedade intelectual para novas invenções técnicas. Mas as patentes sobre a vida diferem das patentes sobre máquinas/mecânicas, pois as restrições de licenciamento também podem se estender às próximas gerações, com uma patente cobrindo centenas de variedades de plantas e suas partes; ou outros organismos vivos.
A maioria dessas patentes é detida pelas gigantes corporações de biotecnologia, Corteva Agriscience (anteriormente Dow, Dupont e Pioneer) e Bayer (Monsanto). O domínio dessas corporações e o acúmulo gradual de pedidos de patentes que já cobrem dezenas de variedades de plantas sinalizam preocupações críticas sobre quem é o dono da nossa alimentação/comida.
Na verdade, vários países – Estados Unidos, Europa, Brasil, Argentina, Canadá, entre outros – estão excluindo novos OGMs da rotulagem e das verificações de segurança, argumentando que eles são tão seguros quanto as plantas convencionais e como consequência, entre outras, as empresas de biotecnologia estão se preparando para fazer novos pedidos de patentes de longo alcance.
É fato que patentes sobre sementes são um problema para os agricultores, pois restringem o que o eles podem cultivar, elevando a taxas de royalties, bloqueiam o direito de guardar, usar, trocar e vender sementes ou material de propagação. Direitos reconhecidos pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses, bem como em leis de proteção de cultivares.
O uso de patentes para restringir e controlar quais sementes são cultivadas pode ter impactos profundos em nosso sistema alimentar, não apenas limitando a diversidade/genética de plantas e sementes disponíveis, mas também como e quais colheitas são usadas para alimentação.
As líderes globais em biotecnologia Bayer e Corteva possuem extensos portfólios de patentes sobre novas técnicas de OGM, frequentemente chamadas de edição de genoma. Essas corporações estão se movendo para patentear informações genéticas de plantas que podem ocorrer naturalmente ou como resultado de modificação genética – reivindicando todas as plantas com essas características genéticas como sua “invenção”.
A Corteva solicitou, só na Europa, cerca de 1.430 patentes para novos OGMs, enquanto a Bayer/Monsanto tem solicitações para 119 patentes. Ao reivindicar direitos exclusivos sobre suas “invenções”, eles contradizem diretamente suas alegações de lobby de que novos OGMs são tão seguros quanto plantas naturais e que, portanto, os países devem excluí-los das verificações de segurança e requisitos de rotulagem fornecidos pela legislação sobre organismos geneticamente modificados
Por exemplo, a Corteva detém uma patente para um processo que modifica o genoma de uma célula e reivindica os direitos de propriedade intelectual sobre quaisquer células, sementes e plantas que incluam a mesma informação genética, seja em brócolis, milho, soja, arroz, trigo, algodão, cevada ou girassol.
É espantoso ver o quão longe os lobbies das líderes globais de biotecnologia cravaram seus dentes na tomada de decisões públicas em todo o mundo. Eles capturam políticas públicas para perseguir seus interesses privados.
Uma simbiose perversa entre grupos de lobby corporativo e tomadores de decisão foi ativamente criada por meio de seu peso econômico e grandes investimentos em muitos cantos do mundo, e isso consistentemente leva a decisões cruciais sendo tomadas em favor dos lucros da indústria, em vez do interesse público.
O modelo monopolista – do qual a Bayer é um ator-chave e promotor – está no cerne do problema, colocando tanto os agricultores individuais quanto a biodiversidade sob estresse.
Assim, as questões em jogo são muito sérias e dizem respeito a que alimentos são cultivados, o que comemos, o que temos permissão para saber sobre eles e quem controla tudo isso.
Nós, cidadãos, temos o direito de sermos informados e incluídos nas decisões cruciais que terão de ser tomadas sobre como essas técnicas são administradas e gerenciadas.
Vamos acordar!
Charlene de Ávila – Advogada. Mestre em Direito. Consultora Jurídica em propriedade intelectual na agricultura de Neri Perin Advogados Associados – Brasília-DF
Neri Perin – Advogado Agrarista especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela UFP. Diretor Administrativo da Neri Perin Advogados Associados – Brasília- DF.