Proibição de exportação que causou alívio político ao governo indonésio levou o Paquistão ao temor de escassez de óleo vegetal
Por Oliver Telling, Benjamin Parkin e Emiko Terazono — Financial Times, de Cingapura, Nova Déli e Londres
O aumento do protecionismo tem exacerbado o caos provocado nos mercados mundiais de alimentos pela guerra na Ucrânia, com os governos impondo restrições às exportações de produtos alimentícios básicos, como grãos, óleo de cozinha e leguminosas.
A disparada nos preços dos alimentos e, em alguns casos, a ameaça de distúrbios sociais levaram a um aumento no número de países exportadores que proibiram vendas para o exterior ou adotaram restrições tarifárias. Esse protecionismo só eleva ainda mais a conta da importação de alimentos para os países que dependem dos mercados internacionais para obter commodities alimentares importantes, e atinge especialmente alguns dos paíes mais pobres.
Beata Javorcik, economista-chefe do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (Berd), alertou que o protecionismo apenas aumenta artificialmente os preços, já em níveis recordes, e amplia a insegurança alimentar em todo o mundo. “Isso vai aumentar as taxas mundiais de pobreza. E em situações extremas pode induzir regimes autoritários a se tornarem mais opressivos”, disse ela.
Antes da invasão da Ucrânia, secas e restrições trabalhistas relacionadas ao combate da covid-19 já tinham elevado os preços internacionais dos alimentos. De acordo com o centro de estudos americano International Food Policy Research Institute (IFPRI), a guerra levou 23 países a recorrer ao protecionismo na área alimentar. A participação de produtos que sofrem restrições no comércio mundial de alimentos, medida em calorias, estava em 17%, mesmo nível da crise alimentar e energética de 2007-2008, diz o IFPRI.
Em abril, a Indonésia tornou-se o mais novo país a anunciar uma proibição de exportação, ao suspender as vendas de óleo de palma para o exterior. A commodity é o óleo vegetal mais comercializado no mundo, usado em todo tipo de produtos, de bolos a cosméticos. A decisão indonésia foi outro golpe para os consumidores que já enfrentam dificuldades com o salto nos preços causado pela invasão da Ucrânia, uma das principais fornecedoras de óleo de girassol do mundo. Os supermercados da União Europeia (UE) e do Reino Unido racionaram o óleo de cozinha, já que havia uma corrida de compradores para estocá-lo.
A medida adotada pelo principal exportador de óleo de palma significa que, junto com o óleo de girassol ucraniano e o russo, mais de 40% da oferta no mercado internacional de óleo vegetal tornou-se de difícil acesso. A proibição da Indonésia às exportações de óleo comestível, quando o país se preparava para o fim do Ramadã, parece ter valido a pena politicamente. Após um breve declínio, os índices de aprovação do presidente Joko Widodo subiram 4 pontos percentuais, para 64%, na última sondagem do instituto de pesquisas Indikator.
Mas a proibição que evitou o descontentamento na Indonésia agravou o caos em outros países. O Paquistão, cujo governo enfrenta uma crise inflacionária, formou rapidamente uma força-tarefa para lidar com a questão do abastecimento de óleo de palma. O governo tem procurado tranquilizar sua população e pediu garantias às autoridades indonésias de que as remessas serão retomadas antes do fim do mês, segundo o secretário adjunto do Ministério do Comércio do Paquistão, Usman Qureshi.
A expectativa dos comerciantes de commodities agrícolas é de que a proibição não dure muito, mas alguns alertaram que a medida inesperada afetou a reputação da Indonésia como parceira comercial. “Vou diversificar minha exposição [para fora da Indonésia] num futuro próximo”, disse um comerciante de óleo de palma em Cingapura.
David Laborde, pesquisador do IFPRI, disse que as restrições à exportação criaram um efeito-dominó, ao reduzir a oferta mundial para aqueles que precisavam dela. “Isso acaba por solapar o sistema mundial de comércio.” Ele acrescentou que, ao limitar o acesso aos mercados internacionais, as restrições também reduzem incentivos para que o cultivo agrícola. “É um prejuízo para o sistema agrícola e o suprimento de alimentos”, afirmou.
A atenção dos comerciantes agora está concentrada em saber se a Índia também proibirá a exportação de alimentos. As exportações de trigo da Índia, um dos maiores produtores do mundo, subiram para um recorde de mais de 7 milhões de toneladas no período de 12 meses encerrado em março, o que ajudou a suprir a escassez causada pela guerra na Ucrânia.
Mas o calor escaldante em março e abril, que registrou temperaturas de até 45° C em grande parte do cinturão do trigo do país, aumentou os temores a respeito da oferta interna. Com a expectativa de que as altas temperaturas ainda vão se estender por várias semanas antes do começo da estação das monções no próximo mês, o governo indiano rebaixou nesta semana sua previsão para a safra atual de trigo em 5%, para 105 milhões de toneladas para o ano até junho.
Os preços cotados nos mercados de trigo em todo o mundo subiram nos últimos dias, depois de notícias de que a Índia também estaria considerando restringir as exportações para proteger os estoques internos de uma nova escassez. Mas o secretário de Alimentos da Índia, Sudhanshu Pandey, negou que restrições à exportações sejam uma opção em debate e garantiu que o país tinha estoque suficiente para atender às suas necessidades internas. “As exportações de trigo estão em alta”, disse Pandey a jornalistas na semana passada, e acrescentou que a chegada da safra de trigo da Argentina a partir de junho deve aliviar a pressão sobre a oferta indiana e mundial.
Para operadores de commodities, quaisquer restrições às exportações indianas causariam um novo grande choque nos mercados internacionais. “O mundo tem dependido da Índia como alternativa para abastecimento em um momento em que os estoques mundiais estão historicamente apertados e a oferta do Mar Negro continua severamente restrita”, disse Kona Haque, chefe de pesquisa da ED&F Man, uma trading de commodities agrícolas. Ela ressaltou que qualquer sugestão de que a Índia possa proibir suas exportações faria “os mercados mundiais de trigo entrarem em pânico e os preços subirem”.