UE vê atitude “bárbara” de Moscou, uma vez que ataques atingem suprimentos de alimentos
A Rússia bombardeou as cidades portuárias da Ucrânia pela terceira noite consecutiva, após alertar que trataria embarcações de transporte de grãos como alvos militares, numa ameaça que, segundo a União Europeia (UE), demonstra a “atitude bárbara” de Moscou em seus ataques a suprimentos de alimentos.
Os ataques à cidade portuária de Odessa, no mar Negro, e à vizinha Mikolaiev, nas primeiras horas de quinta-feira, mataram pelo menos três pessoas, e ao menos 23 ficaram feridas, segundo autoridades ucranianas.
As três noites de ataques aéreos aos portos da Ucrânia ocorreram após Moscou ter dito, na segunda-feira, que se retiraria de um acordo que permitia à Ucrânia enviar seus grãos aos mercados globais.
Andriy Yermak, o chefe de gabinete do presidente Volodymyr Zelensky, disse que constituíam “uma tentativa de destruir a capacidade de fornecer alimentos aos países do Sul Global”.
A decisão de Moscou de se retirar da Iniciativa de Grãos do Mar Negro, que desde agosto passado permitiu que 33 milhões de toneladas de grãos fossem exportadas por mar, e seu anúncio de que daria a quaisquer embarcações que tivessem a Ucrânia como destino o tratamento de ameaças militares, puxaram para cima os preços dos alimentos. A cotação do trigo para entrega em setembro subiu 12% na última semana na bolsa dos Estados Unidos.
A Ucrânia anunciou ontem que também trataria os navios russos como alvos. Em notificação formal, disse que todas as embarcações no Mar Negro com destino a portos na Rússia e em território ocupado pela Rússia “poderão ser consideradas pela Ucrânia como…transportando carga militar, com todos os riscos associados”.
Autoridades ucranianas e ocidentais examinam possibilidades de manter as remessas marítimas, apesar das ameaças da Rússia. Uma graduada autoridade militar ocidental disse: “Tratamos o Mar Negro, metade do qual é margeado por países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), como se fosse território ocupado pela Rússia, como o leste da Ucrânia”.
Ele disse que navios ucranianos transportadores de grãos poderiam navegar o Mar Negro passando pelos litorais da Romênia e da Bulgária, enquanto suas Forças Armadas pressionariam as embarcações navais da Rússia com mísseis lançados a partir de bases terrestres. Mas não deu detalhes.
“Se esse grão for também destruído… isso criará uma enorme crise alimentar no mundo”— Josep Borrel
Serhii Kuzan, presidente do instituto de análise e pesquisa Centro Ucraniano de Segurança e Cooperação, de Kiev, disse que uma reação internacional protegeria os portos ucranianos e neutralizaria as ameaças russas aos suprimentos alimentares.
“Se unirmos as capacidades que temos com as da ONU, a Turquia e outros aliados ocidentais, poderemos manter essas rotas de transporte marítimo abertas”, disse Kuzan, destacando que a Rússia não controla militarmente a faixa noroeste do Mar Negro, pelas quais passam as rotas de transporte marítimo.
Negociações diplomáticas sobre grãos migraram agora para “deter [a] escalada”, segundo pessoa que acompanha as conversações.
Os negociadores preveem que o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que manteve laços estreitos com o russo Vladimir Putin mesmo após a invasão plena da Ucrânia pela Rússia, terá de se encarregar do “trabalho pesado” de convencer seu colega russo a voltar a se comprometer em manter o corredor de grãos, disse a fonte.
Erdogan disse prever falar com Putin por telefone nesta semana, quando voltar à Turquia após compromissos internacionais. Espera-se também que Putin visite a Turquia em agosto.
Josep Borrell, o titular de relações exteriores e de defesa da UE, disse que 60.000toneladas de grãos tinham sido queimadas, em decorrência do bombardeio, pela Rússia, de instalações de armazenagem na infraestrutura portuária ucraniana. “Se esse grão não for apenas retido, como [também] destruído… isso criará uma enorme crise alimentar no mundo”, disse ele na quinta-feira.
“Trata-se de uma situação muito grave. Essa informação de que qualquer navio [será considerado] um navio de guerra e, portanto, um alvo das atividades militares da Rússia é um passo a mais no sentido de continuar impedindo a Ucrânia de exportar seus grãos”, afirmou, antes de uma reunião de ministros das relações exteriores da UE que discutirá a crescente crise.
Josep Borrell disse que “os enormes ataques aéreos” revelaram a “atitude bárbara[da Rússia], que será considerada pelo Conselho [de ministros das relações exteriores] hoje”.
“Os ministros terão de discutir como proceder, mas há apenas uma solução: aumentar o apoio militar à Ucrânia. Se eles estão sendo bombardeados, temos de fornecer potencial antiaéreo”, acrescentou.
A Força Aérea da Ucrânia disse que os ataques na noite na quarta-feira e na madrugada de quinta-feira “tiveram como alvo portos, píeres, prédios residenciais e redes comerciais” nas regiões do sul do país.
Antes da guerra, a Ucrânia respondia por cerca de 10% das exportações de trigo globais. Os mais recentes ataques aéreos indicam que a Rússia não hesitará em atacar diretamente infraestrutura de exportações e estoques de trigo, segundo analistas.
“Mesmo se o acordo [sobre Grãos do Mar Negro] for renovado agora, ele não será tão eficaz quanto era antes, devido aos danos sofridos pelos portos”, disse Carlos Mera, analista do setor agrícola do Rabobank. Embora a Ucrânia tenha rotas de exportação alternativas para seus grãos, elas envolvem custos de transporte significativamente mais altos.
Em reação aos ataques russos, Annalena Baerbock, ministra das Relações Exteriores da Alemanha, disse que estão sendo envidados esforços para garantir que os grãos não apodreçam na Ucrânia em decorrência dos ataques.
“Centenas de milhares de pessoas – para não dizer milhões – precisam urgentemente dos grãos da Ucrânia, e é por isso que estamos trabalhando ao lado de todos os nossos parceiros internacionais para que os grãos da Ucrânia não apodreçam nos silos no próximo período de poucas semanas, e sim que cheguem até as pessoas do mundo [inteiro] que precisam deles urgentemente”, acrescentou.
Por Roman Olearchyk, Henry Foy e Leslie Hook — Financial Times, de Kiev, Bruxelas e Londres
Colaborou Adam Samson, em Ancara
Tradução: Rachel Warszawski