Em 14/04/2009, os Sindicatos Rurais ajuizaram ação coletiva com o objetivo de fazer cessar a cobrança de royalties sobre sementes transgênicas, com base nas patentes da Monsanto registradas junto ao INPI.
Após sentença favorável, a Monsanto conseguiu reverter a decisão no TJRS. Os agricultores interpuseram recurso especial, admitido pelo Tribunal Estadual e afetado à sistemática da assunção de competência no STJ (art. 947 do CPC).
O REsp n. 1.610.728/RS resultou no IAC n. 4 do STJ, com o seguinte teor:
“As limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do art. 10 da Lei 9.456/97 – aplicáveis tão somente aos titulares de Certificados de Proteção de Cultivares – não são oponíveis aos detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais.”
O julgamento do Recurso Especial, cuja relatora foi a Min. Nancy Andrighi, ocorreu no dia 09/10/2019, ocasião em que firmou-se entendimento que, na prática, permite a cobrança de royalties de agricultores que selecionam e reservam suas próprias sementes, para plantio na safra seguinte.
A Lei de Proteção de Cultivares (Lei n. 9.456/97) garante a proteção da propriedade intelectual sobre plantas e sementes, inclusive mediante o pagamento de royalties, mas também assegura, em seu art. 10, o direito dos agricultores de selecionarem os melhores grãos de uma colheita para sua utilização como sementes na safra seguinte, sem pagarem por isso.
Trata-se do chamado “privilégio do agricultor”, que é contemplado não apenas pela lei brasileira, mas por inúmeros tratados internacionais, protegendo uma prática milenar, tão antiga quanto a própria agricultura.
O STJ, no entanto, decidiu que a cobrança de royalties pela propriedade intelectual de sementes transgênicas não estaria fundada na Lei de Proteção de Cultivares (Lei n. 9.456/97), mas sim na Lei da Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/96), que não possuí qualquer exceção semelhante àquela referente ao “privilégio do agricultor”.
Nesse contexto, os sindicatos rurais de Passo Fundo, Sertão, Santiago, Unistalda e Capão do Cipó, todos do estado do Rio Grande do Sul, ajuizaram, no dia 15/08/2023, ação rescisória no STJ, contra as empresas Monsanto do Brasil e dos Estados Unidos.
Segundo os agricultores, a Lei da Propriedade Industrial não admite nenhum tipo de proteção patentária de seres vivos ou de suas partes (arts. 10, inc. IX, e 18, inc. III), com exceção feita unicamente aos microrganismos transgênicos.
De fato, a Monsanto do Brasil e dos EUA são detentoras de patentes de DNA modificado e de processos de produção de plantas geneticamente modificadas, que geram sementes capazes de resistir ao herbicida chamado “Round Up” (também fabricado pelo Grupo Monsanto).
O STJ, porém, ao interpretar a segunda parte do inciso II do art. 42 da LPI, concluiu que o produto de um processo patenteado também recebe a proteção da patente, mesmo que essa patente seja proibida expressamente pela Lei, como é o caso da planta transgênica e de suas sementes.
Na prática, a decisão abriu uma brecha na Lei da Propriedade Intelectual, já que passou a ser possível proteger não apenas seres vivos e suas partes, mas também tudo aquilo que seja contrário à moral, aos bons costumes, à segurança, à ordem e à saúde.
De outro lado, o STJ entendeu que o DNA modificado seria um microrganismo transgênico, contrariando as próprias diretrizes de biotecnologia do INPI.
Os sindicatos, no entanto, alegam que um DNA modificado não pode ser equiparado a um microrganismo, por faltar-lhe autonomia e capacidade de autorreprodução.
O Tribunal também assentou que não seria aplicável o Princípio da Exaustão, que impede a cobrança de royalties depois que um produto patenteado é introduzido no comércio pelo detentor da patente. Segundo a decisão, o art. 43, inc. VI, da LPI, continuaria a proteger o produto patenteado, mesmo depois da sua introdução no comércio, uma vez que as sementes seriam utilizadas para multiplicação comercial.
Conforme explicado na ação rescisória, essa norma da LPI pressupõe que o produto colocado no comércio seja patenteado, e a Monsanto não tem nenhuma patente de planta ou de semente transgênica, já que essas patentes são proibidas pela legislação brasileira, o que foi reconhecido pelo STJ.
Os sindicatos defendem, ao final, que a única proteção da propriedade intelectual de plantas e sementes transgênicas se dá pela Lei de Proteção de Cultivares, sendo que essa lei, ao mesmo tempo que assegura a cobrança de royalties para o titular da propriedade intelectual, garante o direito do agricultor de selecionar as melhores sementes e plantá-las na safra seguinte, sem estarem obrigados a pagar royalties por isso, desde que não venda as sementes para terceiros.
Caso sejam vitoriosos, a Monsanto terá que compensar todos os fazendeiros do Brasil por todos os valores cobrados indevidamente (mesmo aqueles que não sejam filiados aos sindicatos).
DADOS:
Número da Ação:
Ação Rescisória n. 7.559/DF
Superior Tribunal de Justiça
Link do processo:
Normas Referenciadas:
- Lei da Propriedade Industrial[1] (Lei n. 9.279/96);
- Lei de Proteção de Cultivares[2] (Lei n. 9.456/97);
- Diretrizes do INPI para Exame de Pedidos de Patente na Área de Biotecnologia[3] (Instrução Normativa INPI/PR n. 118/2020);
Acórdãos Referenciados:
- ProAfR no REsp n. 1.610.728/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 10/4/2018, DJe de 16/4/2018 (instauração do IAC);
- REsp n. 1.610.728/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 9/10/2019, DJe de 14/10/2019 (fixação da tese no IAC);
Anexos:
- Inteiro teor do Acórdão que julgou o Recurso Especial n. 1.610.728/RS;
- Petição Inicial da Ação Rescisória;
[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm ;
[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9456.htm;
[3] https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/legislacao/legislacao/InstrucaoNormativa118_DIRPABiotecnologia_01122020.pdf;