Nos últimos anos, a agricultura brasileira tem vivenciado um cenário de crescente tensão entre o direito à inovação e a preservação das práticas tradicionais dos agricultores. O livro que ora apresento, em coautoria com a jurista Charlene de Ávila, é fruto de um esforço técnico e jurídico para jogar luz sobre um tema frequentemente negligenciado: o direito dos agricultores à produção, uso e troca de suas próprias sementes, frente ao avanço das normas internacionais de propriedade intelectual e à atuação das grandes corporações do setor.
Organizada em três capítulos, a obra se propõe a examinar criticamente as bases legais que sustentam a proteção de cultivares no Brasil e no mundo. No primeiro capítulo, realizamos um estudo comparativo entre os modelos dos Estados Unidos, Europa, Índia e Brasil, com especial atenção às particularidades do sistema sui generis de propriedade intelectual aplicado às variedades vegetais. Analisamos, por exemplo, os impactos das convenções internacionais como a UPOV/1991 e o Acordo TRIPS, e como eles, muitas vezes, colidem com os costumes e a realidade de pequenos e médios agricultores.
No segundo capítulo, fazemos uma análise aprofundada da Lei de Proteção de Cultivares (Lei 9.456/97), discutindo suas virtudes e lacunas. Abordamos os projetos de lei em tramitação que buscam alterar seu escopo e alertamos para os riscos que mudanças legislativas podem trazer caso desconsiderem a realidade do campo brasileiro. O que está em jogo é mais do que a regulação de um mercado: é a preservação da liberdade produtiva e a autonomia rural frente à concentração tecnológica.
Por fim, no terceiro capítulo, nos dedicamos ao cerne da obra: os direitos dos agricultores. Discutimos a legalidade e a legitimidade de práticas milenares como guardar, replantar, doar e trocar sementes, e propomos alterações legislativas — como a modificação do artigo 42 da Lei 9.279/96 — para fortalecer a segurança jurídica dessas práticas. Analisamos também precedentes judiciais nacionais e internacionais envolvendo conflitos com grandes corporações, como a Monsanto, e defendemos uma interpretação do direito que priorize a sustentabilidade, a diversidade genética e o protagonismo do agricultor.
Acreditamos que garantir o direito às sementes próprias não é um retrocesso, mas uma estratégia de soberania nacional, econômica e alimentar. Um país que abre mão da sua autonomia genética está fadado à dependência externa, ao aumento do custo de produção e à fragilização da agricultura familiar e de base ecológica.
Essa obra é um convite à reflexão e ao debate técnico, mas sobretudo, um manifesto em defesa daqueles que plantam, colhem e alimentam o Brasil.
Por Néri Perin – Advogado agrarista e coautor da obra “Propriedade Intelectual – o direito dos agricultores às sementes próprias”