Impacto nos custos de produção deve ser absorvido. Mais grave é o risco de desabastecimento
Por Elísio Contini e Outros
Os nutrientes nitrogênio, fósforo e potássio (NPK) têm um papel importante na manutenção da segurança alimentar e no rendimento da produção agrícola. O Brasil, situado na faixa intertropical, possui solos ácidos e mineralmente pobres dos nutrientes principais. Sem contar com oferta doméstica, a expansão da agricultura exigiu a utilização de quantidades crescentes de fertilizantes importados. A opção pelas importações de insumos mais baratos e de melhor qualidade foi crucial para viabilizar o crescimento competitivo da produção agrícola brasileira. Entre 2000 e 2020, o uso nos nutrientes NPK aumentou em 157% e a produção de grãos cresceu 211%.
O nutriente mais utilizado na agricultura brasileira é o potássio (38%), seguido por fósforo (33%) e nitrogênio (29%). De acordo com os dados oficiais da ComexStat, em 2021 as importações responderam por 99% do potássio, 97% do nitrogênio e 72% do fósforo. Essa situação reflete uma limitação estrutural para aumentar a produção de fertilizantes tradicionais no Brasil em condições competitivas, condicionada pela disponibilidade de recursos minerais, localização e ambiente para investimentos de longo prazo de maturação.
A guerra Rússia-Ucrânia e os problemas de funcionamento das cadeias globais de suprimento decorrentes da pandemia acenderam a luz amarela em relação à dependência de um insumo básico para a sustentabilidade da agricultura brasileira. O impacto sobre os preços é real. Segundo dados da Conab, tomando como referência a soja produzida em Barreiras – BA, as relações de troca de produtos agrícolas/fertilizantes, entre 2008 (auge do aumento de preços internacionais das commodities) e 2021 observa-se um aumento no custo com fertilizantes, passando de 9 sacos/ha para 14,8 sacos/ha.
De imediato, o impacto nos custos de produção deve ser absorvido pela elevação dos preços internacionais. No entanto, o mais grave é o risco de desabastecimento. Não há solução imediata, portanto o problema precisa ser enfrentado com visão sistêmica e estratégica, usando todos os instrumentos disponíveis.
O Brasil é o segundo principal destino das exportações globais de nitrogênio, atrás apenas da Índia, posição que pode ser bem utilizada nas tratativas internacionais junto aos principais fornecedores (Rússia, China, Catar, Arábia Saudita e Egito) para diversificar as fontes e estabilizar a oferta. Também é possível usar o gás natural de países vizinhos para aumentar a produção nacional. Além disso, há ainda a alternativa de fixação biológica do nitrogênio, que não vinha sendo amplamente utilizada em função dos preços competitivos dos fertilizantes tradicionais. No entanto, com a elevação dos preços internacionais e da restrição de disponibilidade em função de fatores externos, essa opção torna-se atraente e confere benefícios econômicos e ambientais não desprezíveis.
Quanto ao fósforo, países do Hemisfério Norte, com destaque para Estados Unidos, Marrocos e Rússia, possuem grande concentração de rocha fosfática (60% do total mundial). A China é o principal exportador, seguido por Marrocos, Rússia, Estados Unidos e Arábia Saudita. Nos últimos anos o Brasil já vinha aumentando as importações de fertilizantes nitrogenados e de fósforo da China, e existe espaço para ampliá-las por meio de negociações diplomáticas e comerciais de interesse comum, já que o Brasil é um relevante fornecedor de grãos e carnes para aquele país.
O Brasil possui apenas 0,72% das reservas mundiais de rocha fosfática e a produção nacional tem sido suficiente para cobrir aproximadamente 30% da demanda do insumo, com perspectivas de aumentar a oferta doméstica utilizando a tecnologia biológica criada pela Embrapa para a solubilização do fósforo.
A maior dificuldade é com o potássio. Canadá e Rússia detém 62% e 12%, respectivamente, das reservas de sais de potássio do mundo e são os maiores exportadores, seguidos por Belarus, Alemanha e Israel. A despeito das reservas brasileiras conhecidas de potássio, cerca de 13 bilhões de toneladas, apenas 1,3 bilhão, localizadas em Sergipe e Amazonas, é lavrável, sendo limitadas por questões econômicas (custos de produção, logística e riscos ambientais elevados) e jurídicas.
A competitividade da agricultura brasileira foi viabilizada pelo desenvolvimento e adoção de inovações que incluem tecnologias organizacionais, mecânicas, químicas e biológicas, com destaque para práticas agropecuárias de correção do solo e variedades adaptadas às condições edafoclimáticas.
Por isso, para o futuro, o Brasil deve elaborar estratégias considerando soluções integradas, que incluem insumos importados, uso eficiente dos fertilizantes, tecnologias nacionais utilizando de forma mais intensa os biofertilizantes e a fixação biológica de nitrogênio, redução de ineficiências sistêmicas, desde a chegada no porto até a aplicação na propriedade rural. Estima-se que até 5% dos fertilizantes são perdidos entre a chegada ao porto e a propriedade rural.
A agricultura brasileira pode aumentar a eficiência no uso dos fertilizantes, como indicam as recomendações técnicas de manejo difundidas pela Caravana FertBrasil, com base em ferramentas para o planejamento agrícola: onde e quando plantar; boas práticas para o uso eficiente de fertilizantes; novas tecnologias para suprimento eficiente de nutrientes às plantas; tecnologias sustentáveis de manejo agrícola e soluções digitais refinando aplicações.
Há espaço e necessidade de adotar, de forma complementar, as alternativas biológicas para o nitrogênio e o fósforo. Não é por acaso que a transformação de uma agricultura predominante química para uma agricultura biológica encontra eco na racionalidade econômica de redução de custos de produção, de meio ambiente mais preservado quanto a contaminação e exigências de consumidores para produtos seguros.
O novo mundo pós-pandemia, pós-guerra e de desglobalização controlada que está se revelando requererá novas abordagens para a questão da disponibilidade de fertilizantes para a agricultura brasileira. A solução passa pela melhoria da logística, da integração das inovações tecnológicas ambientalmente responsáveis e da diplomacia brasileira para a manutenção da regularidade da oferta para a produção agrícola nacional. Assim, estaremos contribuindo para a segurança alimentar brasileira e global.
Elísio Contini, Pedro Abel Vieira e Roberta Grundling são, respectivamente, pesquisadores e analista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Antonio Márcio Buainain é professor da Universidade Estadual de Campinas.
FONTE: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/crise-de-fertilizantes-requer-uma-solucao-sistemica.ghtml