A indústria química é um ramo industrial, formado por oito grupos. Sua história guarda episódios que expressam as mazelas do capitalismo .
Porto Alegre – Este é um ramo industrial, formado por oito grupos, desde a produção de químicos básicos, farmacêuticos, higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, adubos e fertilizantes, agrotóxicos, sabão e detergentes, tintas, esmaltes e vernizes e fibras artificiais e sintéticas. Faturou no mundo US$3,4 trilhões em 2010. No Brasil pouco mais de US$100 bilhões. As vendas globais da indústria química como um todo são divididas da seguinte forma: 37% para os produtos químicos básicos, 30% para os produtos das ciências da vida (fármacos e agroquímicos), 23% para as chamadas especialidades – tintas e cosméticos e 10% para produtos de consumo. Para um PIB mundial de US$70 trilhões, as vendas da indústria química representam 4,8%. O Brasil ainda importa a maioria dos produtos, o que custou no ano passado quase US$20 bilhões.
O histórico da indústria química está ligado à Alemanha. Não somente pelas descobertas, como a síntese da amônia (NH3), para uso em fertilizantes, ou a criação da aspirina, cuja patente ocorreu em 1899. Em 1860, foi criada a empresa BASF – Badische Anilin und Soda Fabrick (Fábrica de Baden de Anilina e Soda), em Mannhein. Em 1863, o comerciante de corantes Friedrich Bayer e o mestre-tintureiro, Johann Weskott, instalaram uma pequena fábrica para produzir corantes artificiais para tingimento de tecidos. Assim nasceu a Bayer, que em 1896 se instalou no Brasil. Em 1922 criaram o slogan “se é Bayer é bom”.
Primeiro ataque com arma química
O químico envolvido com a Basf chamado Fritz Haber, autor da descoberta da síntese da amônia e ganhador do prêmio Nobel de 1920, financiado por esta empresa a partir de 1909, também foi o responsável pelo uso de gases tóxicos na primeira guerra mundial.O primeiro ataque com armas químicas aconteceu em Ypres, cidade belga, contra tropas francesas e argelinas, no dia 22 de abril de 1915. Conforme o relato dos pesquisadores Reinaldo Calixto de Campos e João Augusto Gouveia em um texto sobre a história da química:
“-O primeiro emprego moderno, em larga escala, de um agente químico como arma letal direta foi o gás cloro, lançado a partir de 5.730 cilindros de metal, cada um pesando 100kg, com cloro líquido, ao longo de 10km de frente. O primeiro ataque foi um sucesso, com uma nuvem de gás verde, de cerca de um metro e meio de altura avançando, empurrada pelo vento, abrindo uma larga brecha nas linhas inimigas, uma vez que os que não sufocaram, debandaram, com os alemães avançando pela terra de ninguém e tomando as trincheiras aliadas. A partir daí os aliados passaram a usar também gases químicos. Até o fim da primeira guerra mundial 22 tipos diferentes de agentes químicos foram testados”.
Criminoso de guerra
Quando a guerra terminou, com a derrota da Alemanha, Fritz Haber, que era judeu, foi procurado como criminoso de guerra, mas se escondeu na Suíça. Ele morreu em 1934, o homem que ajudou a transformar nitrogênio em pão, cujo processo industrial é responsável ainda hoje pela produção de 130 milhões de toneladas de amônia, usada pela indústria de fertilizantes. Era autoritário, monarquista, e um precursor do delírio alemão de superioridade racial. Quando ganhou a patente de capitão do exército alemão, deu uma festa para comemorar em Breslau, cidade onde conheceu a mulher Clara Immerwahr, judia e a primeira mulher a doutorar-se em Química pela Universidade de Breslau, embora nunca tenha trabalhado na profissão. Neste dia fatídico, Clara deu dois tiros no peito com a arma do recém -nomeado capitão. O filho deles, Hermann mudou-se para os Estados Unidos e, no final da II Guerra Mundial, em 1945, também se suicidou.
DDT usado no combate aos piolhos
Outro alemão, Friedrich Wöhler, está ligado à história dos agroquímicos. Em 1828 ele sintetizou o composto inorgânico cianato de amônia, transformando-o em ureia. Porém, os inseticidas orgânicos só começaram a ser utilizados em larga escala na década de 1940, durante a segunda guerra mundial, a fim de proteger os soldados nas regiões tropicais e subtropicais da África e da Ásia, das pragas transmissoras da doença do sono, da malária, do tifo, entre outras. Devido a necessidade de proteger o exército, as pesquisas de novos inseticidas foram impulsionadas, o que resultou no desenvolvimento de vários agrotóxicos, que são usados ainda hoje.
O marco na química foi a descoberta da atividade inseticida do 1,1,1-tricloro-2,2-di (p-clorofenil) etano, em 1939, pelo pesquisador Paul Muller, prêmio Nobel em 1948. O famoso DDT foi usado pela primeira vez em 1943, para combater piolhos que infestavam as tropas estadunidenses na Europa, e que transmitiam a doença do tifo exantemático. O DDT é um organoclorado composto por átomos de carbono, hidrogênio e cloro. Outros organoclorados desenvolvidos nesta época – aldrin, dieldrin, heptacloro e toxafeno.
Mais tóxicos que os organoclorados
Os organofosforados foram desenvolvidos nas décadas de 1930/40, como armas químicas, eram compostos derivados do ácido fosfórico, que podem conter em sua estrutura átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio, enxofre, nitrogênio e fósforo. A toxidade é maior que os organoclorados, mas são menos persistentes no ambiente. O herbicida glifosato e os inseticidas malation, paration e dissulfoton são exemplos de organofosforados. Dos 115 elementos químicos da tabela periódica, 11 podem estar presentes nas formulações dos agrotóxicos, sendo que a indústria trabalha com mais de mil formulações.
As seis maiores empresas do ramo – Bayer, Syngenta, Basf, Monsanto, Dow e Dupont – controlam quase 90% do mercado mundial. No Brasil são oito empresas que controlam a maioria do mercado. A produção de organossintéticos no Brasil começou em 1946, com a empresa Eletroquímica Fluminense, que fabricava o BHC, também conhecido como gamexane ou pó de gafanhoto. Teve seu uso proibido em 1983. Em 1948, a Rhodia passou a produzir o inseticida parathion, e em 1950, uma fábrica de armas químicas do exército brasileiro começou a fabricar no Rio de Janeiro o DDT.
Explosão dos agrotóxicos
Mas a explosão dos agrotóxicos no país só ocorreu a partir da década de 1970, quando os militares lançaram o Programa Nacional de Defensivos Agrícolas (PNDA), que funcionou até 1979. A produção e a instalação de fábricas recebiam incentivos fiscais, financiamentos, benefícios tarifários para a importação de maquinário e equipamentos. Tudo isso foi evoluindo e hoje o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, com mais de um bilhão de litros, e um faturamento que no ano passado alcançou quase US$9bilhões para a induústria. Muito pior que isso foi a introdução dos transgênicos, a partir do início da década, cuja responsável maior é a empresa Monsanto, que incentivou o contrabando de sementes da Argentina para o Rio Grande do Sul, durante o governo Olívio Dutra.
Usou o sobrenome da esposa
Esta mesma empresa tem um histórico trágico e pestilento. Criada em 1901, em Saint Louis por John Francis Queeny, que aproveitou o nome de solteira da mulher para registrar a firma Monsanto Chemical Works – o nome dela era Olga Mendez Monsanto, conforme histórico publicado no livro “Transgênicos, as sementes do mal”, do pesquisador brasileiro Antônio Andreoli e do pesquisador alemão Richard Fuchs. O primeiro produto que a empresa desenvolveu foi a sacarina, que era vendida para a Coca-Cola. Começou a produzir aspirina em 1917, mercado que dominou até 1980. A partir de 1933 entrou para a Bolsa de Nova Iorque, registrada com o nome de Monsanto Chemical Company.
Desde 1930 vendeu os produtos originados do PCB – bifenil policlorinado – que causa grave danos à saúde, o que era do conhecimento da empresa, e mesmo assim continuou vendendo até 1979. O PCB é usado na indústria eletrônica, o maior cliente da Monsanto era a General Eletric, usava como lubrificantes de motores, transformadores elétricos e agente refrigerador. A GE na época tinha uma indústria a beira do rio Moharwk, no estado de Nova Iorque, e por sua vez, é afluente do rio Hudson.
Histórico do glifosato
No dia 16 de abril de 1947, um cargueiro ancorado nas proximidades da indústria da Monsanto, carregado com nitrato de amônia, se incendiou devido a um cigarro e explodiu. A cidade de Texas e a indústria da Monsanto foram destruídas. O fogo atingiu um oleoduto com fluídos inflamáveis – benzeno, propano e benzol etílico – e o fogo se alastrou por três dias, matando 576 pessoas. Em 1955, a Monsanto retomou os negócios com adubo e em 1956 lançou o herbicida Randox. A partir de 1960 começou a crescer no setor agrícola. Em 1969, lançou o herbicida Lasso. Em 1970 o pesquisador John Franz, da Monsanto, sintetizou uma molécula mais tarde conhecida – registrada em 1974 – como glifosato, o princípio ativo do herbicida Roundup.
Em 1974 ele chegou ao mercado da Malásia e do Reino Unido. Dois anos depois foi lançado nos Estados Unidos. Em 1983, o Departamento Agrícola da Monsanto começou a cultivar as primeiras plantas transgênicas. Em 1992, começou a comprar as empresas de sementes. Em 1999 bateu recorde de lucro, com US$9,1 bilhões, sendo 50% do setor agrícola.
A escória da humanidade
Na década de 1990, a Monsanto entrou no mercado de algodão da Índia, que é o segundo maior produtor mundial, com mais de 12 milhões de hectares cultivados. Lançou a semente Bt. A maior parte da produção está no estado de Maharastra. Desde 1997, 54 mil agricultores familiares se suicidaram na região. A causa: endividamento no banco, secas, inundações, baixa produtividade. No total, o que é um escândalo mundial, são quase 200 mil suicídios, desde 1997. A Monsanto diz que as mortes não tem ligação com o lançamento da semente Bt. O detalhe é que o preço das sementes de algodão subiu mais de 1000% no mesmo período. A Monsanto, desde a sua origem – o marido não quis se comprometer com o nome próprio e usou o da esposa – mostrou a capacidade de provocar discórdias no planeta. Sem contar a pretensão de dominar o mercado de alimentos no mundo, o que significa exercer seu poder fascista, numa área onde pelo menos metade da população mundial ainda depende dos recursos de suas propriedades. A outra metade vive nas cidades. A Monsanto, certamente, ocupará o espaço destinado à escória da humanidade, num futuro bem próximo.
Por Carta maior